terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

sartre

transformar a paisagem mental da sociedade

nossa existência não está funfada em fatos objetivos do passado, mas ela consiste no que fazemos dela. somos os únicos responsáveis por ela e temos que aprender a lidar com isso. nós não somos condenados a ser livres, mas à liberdade.

as velhas estruturas de valor estavam ultrapassadas, fantástica oportunidade moral de as pessoas saberem se ainda acreditavam no cristianismo, na família, nos padrões de valores dos pais e avós.

assumir as responsabilidades de suas ações de novas maneiras

você é responsável pelo período histórico em que vive. você tem não apenas o direito de escolher, mas também a culpa da escolha.

uma filosofia de liberdade individual que expressava instintivamente a rejeição ao passado.

uma forma inteiramente nova de ver a existência humana no mundo

ele pensou sobre a autoconsciência como uma ideia que temos do mundo. a ideia que nós temos do eu como um caráter essencial, como de fato é. tentando fazer as pessoas abandonarem essa ideia, desistirem das coisas confortantes, da confiança em certas ideias, das respostas interiores que dizem que é você. Sartre está argumentando que não há caráter predeterminado que defina quem você é, você é aquilo que está tentando fazer.

Nada está dado, nascemos por acaso, nossa existência não tem sentido algum. assim, cabe a nós dar-lhe um significado.

"A filosofia que estou escrevendo é pessoal. Ela desempenha um papel protegendo-me da melancolia, das trevas e da tristeza da guerra. Filosofia e vida tornam-se uma coisa só."

relacionar suas ideias sobre liberdade individual com a sociedade como um todo.

ele não disse você deve envolver-se ou estar engajado. ele disse: você já está engajado, mesmo que pense que não está. Você tem um papel na sociedade e não se deu conta disso, apenas não percebe. Fique atento ao significado da sua situação.

uma vez que a revolução se afirme, ela não reconhece os novos problemas, ela se institucionaliza e chama de traidor qualquer um que se atreva a questioná-la. É necessário um estado de revolta permanente.

A violência existe. Ela existe em regimes policialescos, que são violentos por si só. As vítimas desses regimes não podem fazer outra coisa senão responder com violência. Eu vejo como um gesto político válido.

O importante não está na liberdade, mas no caminho que você percorre para conquistá-la.

talvez estajamos no tempo em que as pessoas não queiram ouvir nada sobre a liberdade.

O QUE ALGUÉM DISSE

"Refugia-te na Arte" diz-me Alguém
"Eleva-te num voo espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.

Só é grande e perfeito o que nos vem
Do que em nós é Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!"

No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem... E n'Aquele
Que é triste, como eu, fico a pensar...

O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol é cor dos olhos d'Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar...

Livro de Sóror Saudade (1923)
Florbela Espanca
(1894-1930)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

domesticação

Só a educação salva.
discurso enlatado
professores desrespeitados

Educação é o melhor caminho!
pesquisas desacreditadas
desprezo aos universitários

Educação é o futuro.
descaso com estudantes primários
exército de ignorantes e ignorados

Chave E

Muitos cargos, poucos feitos
Títulos endeusados
Eleitos pelo medo
Anistia para genocidas
Quantos injustiçados
Executados a tiros pela polícia

Enclausurados
Pelo perverso quadro social
Agora robotizados
Como efeito colateral
Política superfaturada
Nosso cartão postal

Não importa a índole
Importa a síndrome
Que aliena a população
Altos lucros pro patrão
38 na mão
3,80 a passagem do busão

Compreender e sobreviver
Jogada de sorte
Aos malfeitores corruptos,
Passaporte pra morte.
Queimem parasitas, 
acabem com as mazelas
A revolução é teoricamente

Bela

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Eu-Mulher

Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.



Para a menina

Desmancho as tranças da menina
e os meus dedos tremem
medos nos caminhos
repartidos de seus cabelos.

Lavo o corpo da menina
e as minhas mãos tropeçam
dores nas marcas-lembranças
de um chicote traiçoeiro.

Visto a menina
e aos meus olhos
a cor de sua veste
insiste e se confunde
com o sangue que escorre
do corpo-solo de um povo.

Sonho os dias da menina
e a vida surge grata
descruzando as tranças
e a veste surge farta
justa e definida
e o sangue se estanca
passeando tranqüilo
na veia de novos caminhos,
esperança.



Recordar é preciso

O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos
A memória bravia lança o leme:
Recordar é preciso.

O movimento vaivém nas águas-lembranças
dos meus marejados olhos transborda-me a vida,
salgando-me o rosto e o gosto.
Sou eternamente náufraga,
mas os fundos oceanos não me amedrontam
e nem me imobilizam.

Uma paixão profunda é a boia que me emerge.
Sei que o mistério subsiste além das águas.



Vozes-mulheres

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.



A noite não adormece nos olhos das mulheres
      Em memória de Beatriz Nascimento

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
a lua fêmea, semelhante nossa,
em vigília atenta vigia
a nossa memória.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
há mais olhos que sono
onde lágrimas suspensas
virgulam o lapso
de nossas molhadas lembranças.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
vaginas abertas
retêm e expulsam a vida
donde Ainás, Nzingas, Ngambeles
e outras meninas luas
afastam delas e de nós
os nossos cálices de lágrimas.

A noite não adormecerá
jamais nos olhos das fêmeas
pois do nosso sangue-mulher
de nosso líquido lembradiço
em cada gota que jorra
um fio invisível e tônico
pacientemente cose a rede



Da calma e do silêncio

Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele, os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.

Quando meu olhar
se perder no nada,
por favor,
não me despertem,
quero reter,
no adentro da íris,
a menor sombra,
do ínfimo movimento.

Quando meus pés
abrandarem na marcha,
por favor,
não me forcem.
Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra.

– Conceição Evaristo