quinta-feira, 2 de março de 2023

O Amor

dedicado a Mateus D.

Um dia, quem sabe,

ela, que também gostava de bichos,

apareça

numa alameda do zôo,

sorridente,

tal como agora está

no retrato sobre a mesa.

Ela é tão bela,

que, por certo, hão de ressuscitá-la.

Vosso Trigésimo Século

ultrapassará o exame

de mil nadas,

que dilaceravam o coração.

Então,

de todo amor não terminado

seremos pagos

em inumeráveis noites de estrelas.

Ressuscita-me,

nem que seja só porque te esperava

como um poeta,

repelindo o absurdo quotidiano!

Ressuscita-me,

nem que seja só por isso!

Ressuscita-me!

Quero viver até o fim o que me cabe!

Para que o amor não seja mais escravo

de casamentos,

concupiscência,

salários.

Para que, maldizendo os leitos,

saltando dos coxins,

o amor se vá pelo universo inteiro.

Para que o dia,

que o sofrimento degrada,

não vos seja chorado, mendigado.

E que, ao primeiro apelo:

– Camaradas!

Atenta se volte a terra inteira.

Para viver

livre dos nichos das casas.

Para que doravante

a família seja

o pai,

pelo menos o Universo,

a mãe,

pelo menos a Terra.


[Vladimir Maiakovski]

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Isso não me impede de ter uma terrível necessidade de — devo dizer a palavra — religião. Então saio à noite para pintar as estrelas.


– Vincent Van Gogh, em uma carta ao seu irmão

“Não deixes o final do dia sem teres crescido um pouco,

sem seres feliz, sem teres aumentado os teus sonhos.

Não te deixes vencer pelo desânimo,

não deixes ninguém tirar o direito de te expressares,

que é quase uma obrigação.

Não abandones o desejo de tornar a tua vida extraordinária,

não pares de acreditar que as palavras e a poesia,

elas podem mudar o mundo.

Não importa o que na nossa essência está intacta,

estamos cheios de seres de paixão,

e a vida é deserto e oásis,

nos derruba, nos fere,

nos ensina

ela nos faz protagonistas,

da nossa própria história.

Embora o vento sopre contra,

o trabalho potente continua,

tu podes fazer uma estrofe,

nunca pares de sonhar,

porque os sonhos são do homem livre.

Não caias num dos piores erros, o silêncio,

a maioria vive num silêncio terrível.

Não renuncies,!

Ouve!

“Eu a emitir os meus uivos através do telhado do mundo”

diz o poeta.

Aprecia a beleza das coisas simples,

tu podes fazer bela poesia sobre as pequenas coisas!

Não podemos remar contra nós mesmos,

quem transforma a vida no inferno,

aproveita o pânico que provoca em ti,

tens a vida pela frente,

vive-la intensamente,

sem mediocridade.

Tu achas que és o futuro,

enfrenta a tarefa com orgulho e sem medo,

aprende com aqueles que podem ensinar-te,

as experiências daqueles que nos precederam

nossos “poetas mortos”.

Ajudando-te a caminhar pela vida

A sociedade de hoje, nós que somos os “poetas vivos”.

Não deixes a vida passar por ti sem a vida!”


>< Walt Whitman

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Maternidade Africana

 O ventre da Mãe-África se permitiu gerar!

Gerar vidas para a humanidade perpetuar.

Seus filhos cresceram, frutificaram, a humanidade povoaram.

A Mãe-África em desalento, chorou ao ver seus filhos rejeitados!

Não os acolheram como humanos?

Sua cor era sinônimo de desamor?

A Mãe-África jamais desanimou!

Caminha filho! Caminha filha!

Renega o preconceito que a humanidade sempre te quis impor!


x Maria do Carmo

domingo, 8 de janeiro de 2023

Perguntaram-me uma vez

 se eu saberia calcular o Brasil daqui a vinte e cinco anos. Nem daqui a vinte e cinco minutos, quanto mais daqui a vinte e cinco anos. Mas a impressão-desejo é a de que num futuro não muito remoto talvez compreendamos que os movimentos caóticos atuais já eram os primeiros passos afinando-se e orquestrando-se para uma situação econômica mais digna de um homem, de uma mulher, de uma criança. E isso porque o povo já tem dado mostras de ter maior maturidade política do que a grande maioria dos políticos, e é quem um dia terminará liderando os líderes. Daqui a vinte e cinco anos o povo terá falado muito mais.


Mas, se não sei prever, posso pelo menos desejar. Posso intensamente desejar que o problema mais urgente se resolva: o da fome. Muitíssimo mais depressa, porém, do que em vinte e cinco anos, porque não há mais tempo de esperar: milhares de homens, mulheres e crianças são verdadeiros moribundos ambulantes que tecnicamente deviam estar internados em hospitais para subnutridos. Tal é a miséria, que se justificaria ser decretado estado de prontidão, como diante de calamidade pública. Só que é pior: a fome é a nossa endemia, já está fazendo parte orgânica do corpo e da alma. E, na maioria das vezes, quando se descrevem as características físicas, morais e mentais de um brasileiro, não se nota que na verdade se estão descrevendo os sintomas físicos, morais e mentais da fome. Os líderes que tiverem como meta a solução econômica do problema da comida serão tão abençoados por nós como, em comparação, o mundo abençoará os que descobrirem a cura do câncer.


— Clarice Lispector, no livro “A descoberta do mundo”. Rio de Janeiro: Rocco, 1999