terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Orange Poem & Ildegardo Rosa & Mateus Aleluia - Illusion's Wanderer



Para que direção corre o curso da vida?
Para cima, para baixo, para um lado, 
para o outro, para frente ou para trás? 
Ou corre para lugar nenhum? 
Então, observe apenas, 
não interrompa e nem interfira. 
Deixe-o simplesmente correr, 
não importa para onde. 
O que importa é estar nele, 
é ser ele mesmo, 
pois esse é o nosso destino, 
a nossa eterna condição. 
Não te arremesses no amanhã, 
no que desejas vir a ser, 
nem te agarres no passado, 
no que já foi e não voltará; 
são meras fugas e ilusões. 
O que tu tens de concreto e 
não importa o que te aconteças 
é este instante; 
não tentes escapar dele, 
viva-o com plenitude e coragem. 
Esgote-o! 
Ele é a tua única realidade, 
mesmo que nada seja real. 
Por que se agarrar à vida? 
Agarrar-se à vida é perdê-la. 
A vida é um processo. 
É um fluxo eterno. 
É um estar indo, não importa para onde, mesmo se for para lugar nenhum. 
Vá com a vida. 
Deixa de olhar para o teu umbigo 
como se fosse o centro do mundo. 
O teu destino pessoal não tens a mínima importância, 
pois tu és apenas um fenômeno passageiro 
e ilusório, uma emanação do que és, 
sempre foste, e sempre serás: 
a eterna existência. Desperta, homem! 
Aí então saberás que esta eternidade és tu
mesmo e tudo mais que existe. 
Não penses que o mundo gira em torno de ti! 
Quão pequenina e fugaz é a tua megalomania 
dentro da Natureza. 
Enquanto estiveres cheio das tuas coisas,
 tesouros, paixões, posses, desejos, sofrimentos, deuses e ilusões, 
enfim, do teu próprio ego que carregas em vão, tu estarás no NADA, 
no sem sentido, na ilusão. 
Corri como um louco em busca da felicidade 
e trouxe apenas as mãos vazias 
pendentes de ilusões. 
Caminhei então, devagar, 
em busca do meu próprio destino 
e hoje trago as mãos cheias 
carregadas de vida. 
Me aconteci, me manifestei, me existi. 
Sou um ser que está fora. 
Para fora estão os meus olhos que percebem as ilusões do mundo. 
De fora entra o ar que respiro e mantém o meu alento. 
Lá fora é que estão o céu e o inferno, os santos e os demônios, os que me envolvem de amor e os que me sufocam de tanto ódio. 
Como então posso retornar para dentro? 
Desde o princípio que nunca principiou, 
pois sempre foi, é e será, eu sou. 
Não há caminho a se percorrer, 
algum Deus a se buscar 
ou iluminação a se alcançar. 
Tudo já está pronto como sempre esteve.
 Apenas abra os olhos porque então o
 desmistério acontece, 
se revela o que era irrevelado, 
face à minha ignorância, 
minhas perdições, meus pecados, 
minhas ilusões! 
Desde o princípio eu sou. 
Porque não existe nem o dentro, nem o fora, 
apenas o ser aqui e agora. 
De que estão se busca sentido? 
Eu venho de lugar nenhum e vou para nenhum lugar. 
Agora deixarei o mistério acontecer por si mesmo 
e se auto desvelar a cada instante 
por toda a eternidade. 
Agora relaxarei profundamente 
e cessarei essa tentativa ansiosa, 
desesperada e sofrida de querer desvelar o mistério 
e tudo ser em vão. 
Agora viverei a vida que está presente 
e que a cada instante acontece e desacontece, 
não importando seu destino 
e sua razão de ser. 
Não olhes para o alto em busca de soluções 
porque o alto é apenas uma distância 
vazia e inexpressiva. 
Não olhes para a esquerda ou para a direita 
porque são apenas posições relativas. 
Não olhes para trás, pois apenas 
entortarás a cabeça em busca de um passado
 que não retorna jamais. 
Não olhes para frente, pois seguirás em vão 
tua estrada sem rumo e sem destino 
que te conduzirás à morte. 
Olhe então para dentro de ti, 
pois ai estará a solução. 
De que? Só tu saberás! 
Eu sei (ou quase sei) que estou lá ou aqui 
– pouco importa. O mundo é uma ilusão. 

Letra formada por trechos de 14 poemas de Ildegardo Rosa, produzidos em 1957, 1958, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998. Melodia composta por Emmanuel Mirdad em 17/07/2002

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Nostalgia Cinza

Final de tarde, o tom rosa alaranjado colore o céu. Na varanda, seu Antônio, ou só Tonho para os mais chegados, prepara e fuma seu cigarro de tabaco e nostalgia. Lembrou dos sonhos que marcariam pra sempre sua vida mas que nunca se realizariam. Percebeu que não foi mais triste por isso, nem menos feliz. Talvez fosse triste reconhecer o quanto estamos controlados e limitados e por isso não conseguimos alcançar os objetivos mais íntimos, por serem imorais, proibidos ou caros demais. Mas foram anos muito bem vividos. É possível se moldar a novos gostos, mais reservados e aceitos. É possível ser feliz tendo o que não havia sido desejado, mas que foi acolhido de muito bem grado. Percebeu coisas que outrora consideradas importantes, não eram tão importantes assim e como as nossas prioridades mudam, gostos, opiniões e afins... Amou outras mulheres lindas, inteligentes e meigas, que não eram o amor da sua vida. Sonhou com paraquedismo, mas jogou futebol na praia todos os domingos, que não era seu esporte preferido nem tão desafiador e emocionante quanto, mas fez vários amigos. Seu maior desafio foi viver sem frustrações com o que tinha conseguido e tomado de emoções pelo caminho percorrido. Enquanto a fumaça se dissipa por sua silhueta, sentiu saudades do que viveu e do que também não aconteceu. Era tudo tão parte dele, como o sangue correndo nas veias e os desejos escoando de sua alma, que o faziam mais maduro e vívido. Sem esperar muito e se esforçando mais ainda, sua felicidade era o alto nível de satisfação que conseguira. Ele sabia, sua rotina de fumante já havia lhe ensinado: contentamento ou sofrimento, no fim só restam as cinzas.

finais felizes que não tive #1 

Peço Silêncio

AGORA me deixem tranquilo.
Agora se acostumem sem mim.
Eu vou cerrar os meus olhos.
Somente quero cinco coisas,
cinco raízes preferidas.
Uma é o amor sem fim.
A segunda é ver o outono.
Não posso ser sem que as folhas
voem e voltem à terra.
O terceiro é o grave inverno,
a chuva que amei, a carícia
de fogo no frio silvestre.
Em quarto lugar o verão
redondo como uma melancia.
A quinta coisa são teus olhos,
Matilde minha, bem-amada,
não quero dormir sem teus olhos,
não quero ser sem que me olhes:
eu mudo a primavera
para que me sigas olhando.
Amigos, isso é quanto quero.
É quase nada e quase tudo.
Agora se querem, podem ir.
Vivi tanto que um dia
terão de por força me esquecer,
apagando-me do quadro negro:
Meu coração foi interminável.
Porém, por que peço silêncio
não creiam que vou morrer:
passa comigo o contrário:
sucede que vou viver.
Sucede que sou e que sigo.
Não será, pois lá bem dentro
de mim crescerão cereais,
primeiro os grãos que rompem
a terra para ver a luz,
porém, a mãe-terra é escura:
e dentro de mim sou escuro:
sou como um poço em cujas águas
a noite deixa suas estrelas
e segue sozinha pelo campo.
Sucede que tanto vivi
que quero viver outro tanto.
Nunca me senti tão sonoro,
nunca tive tantos beijos.
Agora, como sempre, é cedo.
Voa a luz com suas abelhas.
Me deixem só com o dia.
Peço licença para nascer.

+ Cruz e Sousa 

O amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda a parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

[Carlos Drummond de Andrade]

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

"A metade de sua beleza era sua estranha maneira de pensar."

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Tudo é vago e muito vário,
Meu destino não tem siso,
O que eu quero não tem preço,
Ter um preço é necessário
E nada disso é preciso.

[Leminski]

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Mais uma de solidão

As esperanças de muitos
São as primeiras que morrem
Esmagadas, pisoteadas
Para que outros, poucos
Consigam um momento de satisfação.

Meus sonhos, meus projetos
Vívidos, sobrevivem a mercê
De uma sociedade que só me quer
Subjulgada, castrada e fragilizada.
Assim perco a motivação.

A encenar no cárcere do ser
Poucos fingem se importar.
Muitos se escondem de si
Em si mesmos, ficando a esmo.
Estamos solitários em aglomeração.

Acrobata da dor

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! reteza os músculos, reteza
nessas macabras piruetas d'aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.


[Cruz e Sousa - 1893]

sábado, 1 de dezembro de 2018

Julgamento

Não julgues…
Habitas num recanto mínimo desta terra.
Os teus olhos chegam
Até onde alcançam muito pouco…
Ao pouco que ouves
Acrescentas a tua própria voz.
Mantém o bem e o mal, o branco e o negro,
Cuidadosamente separados.
Em vão traças uma linha
Para estabelecer um limite.

Se houver uma melodia escondida no teu interior,
Desperta-a quando percorreres o caminho.
Na canção não há argumento,
Nem o apelo do trabalho…
A quem lhe agradar responderá,
A quem lhe agradar não ficará impassível.
Que importa que uns homens sejam bons
E outros não o sejam?
São viajantes do mesmo caminho.
Não julgues,
Ah, o tempo voa
E toda a discussão é inútil.

Olha, as flores florescem à beira do bosque,
Trazendo uma mensagem do céu,
Porque é um amigo da terra;
Com as chuvas de Julho
A erva inunda a terra de verde,
E enche a sua taça até à borda.
Esquecendo a identidade,
Enche o teu coração de simples alegria.
Viajante,
Disperso ao longo do caminho,
O tesouro amontoa-se à medida que caminhas.

Rabindranath Tagore
Tradução de José Agostinho Baptista

Apelo

Porque
não vens agora, que te quero
E adias esta urgência?
Prometes-me o futuro e eu desespero
O futuro é o disfarce da impotência.

Hoje, aqui, já, neste momento,
Ou nunca mais.
A sombra do alento é o desalento
O desejo o limite dos mortais.

#####


Conquista
Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!

- Miguel Torga

Ronda

De noite eu rondo a cidade
A te procurar sem encontrar.
No meio de olhares espio,
Em todos os bares
Você não está…

Volto pra casa abatida,
Desencantada da vida.
O sonho alegria me dá:
Nele você está…

Ah, se eu tivesse
Quem bem me quisesse,
Esse alguém me diria:
“Desiste, esta busca é inútil”.
Eu não desistia…

Porém, com perfeita paciência
Volto a te buscar.
Hei de encontrar
Bebendo com outras mulheres,
Rolando um dadinho,
Jogando bilhar…

E neste dia, então,
Vai dar na primeira edição:
Cena de sangue num bar
Da Avenida São João.

- Paulo Vanzolini

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Os justos

Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sur jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
O que acaricia um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão salvando o mundo.

- Jorge Luís Borges

Quanto mais forte for o homem,

Mais estará sozinho -  é uma questão de matemática. E se tiver que passar a vida em hospícios ou em fábricas de aviões, isso em nada alterará sua dor... ou sua grandeza.

[Bukowski em Pedaços de uma caderno manchado de vinho]

terça-feira, 27 de novembro de 2018

a ordem do dia é a perseverança.

depois de tanta desistência,
duras decadências
em vestes de opulência,
eis a minha insistência:

o choro sobe a garganta
sufoca e volta,
pela minha espinha desce.
não choro, fico aguada
minha alma enrijece.

sinto a vontade de extravasar
ao ver pessoas que se superaram
não desistiram, insistiram
seja por competitividade,
só preferencia ou necessidade.

estou sensível
agora que me quero livre
de pensamentos obsessivos,
agora que me tenho viva
e determinada.

me afeta tanto,
me importa tanto
ver outros exemplos
de pessoas impávidas.

concluo:
ser louca é o mais sensato,
num mundo onde
o rebanho de desajustados
são as ovelhas mais saudáveis.


Não se arrependa, ó, bela,

não caia da cama
não fuja, não voe
sem asas
do seu ninho de horror, ó, bela.

[Bruno Alcântara]

O Sobrevivente

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heroicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

Desconfio que escrevi um poema.

[Carlos Drummond de Andrade]




Por mais que eu queira

deseja secretamente
ardentemente

não conseguimos derrubar
o muro que, desconfiada,
construí ao meu redor.

- traumatizada -
como você mesmo disse,
induzida a sentir pavor.

por isso frustrada
e triste
me declaro:

você não é o meu amor.

Você não precisa ser

o que não é
só para se igualar a eles.

você não está
no mesmo nível que eles.

eles, elas, essas almas livres,
inquietas e safadas
que não entendem

minha reclusão
e tradição,
inquietação contrária.

eu gosto de admirá-las,
posso até mesmo invejá-las.

mas o que contemplo
verdadeiramente
é o meu templo

de solidão ária.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Arte de amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

[Manuel Bandeira]
"O papel do escritor não pode ser separado da realidade. Sejam quais forem nossas enfermidades, a nobreza da profissão está enraizada em dois compromissos difíceis de se manter: a recusa de mentir sobre o que sabemos e a resistência à opressão."

[Albert Camus, Un Combat Contre l'absurde" (1996)]

domingo, 11 de novembro de 2018

sentados na sala


e há um quilômetro de palavras
entre nós

nós na garganta
amarram toda uma trama
que outrora fora chama

que inflama
dentro de nós
entrelaçados na cama

agora o meu drama
são apenas somas
de nós do passado

que ainda não foram desfeitos
espelham todos nossos defeitos
e nos deixam despedaçados

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Sempre fui miúda de desejos descabidos

miúda grotescamente poética
chata de coisas que chateiam
de pernas fininhas que depois engrossaram

As miúdas poéticas são bobinas de filmes, riscadas
são gaitas desafinadas
onde muitos passaram os lábios
mas não ficaram
as miúdas poéticas contemplam o suicídio
mesmo depois de uma taça de Corn Flakes
olham os telhados laranja de Lisboa
e pensam noutro sítio qualquer
semeiam flores para terem perfumes
matam-nas, por amá-las demais

as miúdas poéticas tem cabelos desmoronados
de beatas e perguntas
tem a roupa de detergente barato
e as unhas roídas à la carte
tossem devagarinho com medo
de agredir alguém
tem pose de girafa mas não chegam às arvores.

[Cláudia R. Sampaio, A PRIMEIRA URINA DA MANHÃ]


"Eu estava tão triste por nunca possuir algo de bom,

algo como ela,
que nada de bom nunca viesse a me pertencer.
Não porque eu estivesse sempre pobre de dólares,
mas porque eu era pobre em expressar-me a dois.
Eu era tão amarelo de covardia quanto o sol talvez,
mas também tão quente e verdadeiro quanto o sol
em algum lugar dentro de mim,
mas nunca ninguém acharia esse lugar."

[trecho de  As pessoas parecem flores finalmente. - Bukowski]

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Maya Angelou

AINDA ASSIM ME ERGO

Você pode me desmoralizar na história
Com suas mentiras amargas, torcidas,
Você pode me pisotear na sujeira extrema
Mas ainda assim, como a poeira, eu me ergo.

Meu atrevimento o incomodou?
Por que você está tomado de melancolia?
Porque eu ando como se eu tivesse poços de petróleo
Bombeando na minha sala de estar.

Assim como luas e como sóis,
Como a certeza das marés,
Assim como as esperanças brotam,
Ainda assim me ergo.

Você quer me ver quebrada?
De olhos e cabeça baixos?
Ombros caídos como lágrimas,
Enfraquecida pelos gritos repletos da minha alma?

A minha arrogância te ofende?
Não leve isso tão a sério.
Porque eu rio como se tivesse minas de ouro
Escavadas em meu quintal.

Você pode atirar em mim com suas palavras,
Você pode me cortar com seus olhos,
Você pode me matar com seu ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu me ergo.

Minha sensualidade incomoda você?
É uma surpresa
Que eu dance como se tivesse diamantes
Por entre minhas coxas?

Fora das cabanas da vergonha da história
Eu me ergo
Acima de um passado enraizado na dor
Eu me ergo
Eu sou um oceano negro, vasto e revolto,
Brotando e expandindo eu alimento a maré.

Deixando para trás noites de terror e medo
Eu me ergo
Em um amanhecer que é assombrosamente claro
Eu me ergo
Trazendo os presentes que meus antepassados ​​ofereceram,
Eu sou o sonho e a esperança do escravo.
Eu me ergo
Eu me ergo
Eu me ergo.

_______________________

TOCADA POR UM ANJO

Nós, desacostumados a coragem
Exilados da graça
Vivemos encolhidos em conchas de solidão
Até que o amor deixe o seu alto e sagrado templo
E se revele
Para nos libertar em vida.

O amor nos alcança
E em seu cortejo vem os êxtases
Velhas memórias do prazer
Antigas histórias de dor.
Se formos corajosos, no entanto,
O amor afasta as correntes do medo
De nossas almas.

Desacostumados por nossa timidez,
No clarão das luzes amorosas
Nós ousamos ser corajosos
E de repente vemos
Que o amor sacrifica tudo que somos
E o que seremos.
E, no entanto, é só o amor
Que nos liberta.

_______________________

RECUSA

Amado,
Em quais vidas ou terras
Conheci seus lábios
Suas mãos
Seu bravo sorriso
Irreverente.
Todos esses doces exageros
Que eu adoro.
Qual a garantia
Que nos encontraremos de novo,
Em qualquer outro mundo
Em qualquer futuro sem data.
Eu desafio a urgência de meu corpo.
Sem a promessa
De mais um doce encontro
Não me permitirei morrer.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Tormento do ideal

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o batismo dos poetas,
E, assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.

[Antero de Quental]

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

mal sonegado

o que está errado já foi denunciado
desde antes do meu nascimento
antes mesmo do padecimento
da democracia, utopia em desenvolvimento

as soluções já foram expostas
para cada pergunta, mil respostas
que poderiam ser repensadas, trabalhadas
e assim, para melhor convivência, postas em prática

em contrapartida, as ações? parcas
sabemos o que fazer, mas não fazemos
sabemos que não podemos contar com as instituições legais
mas é a elas que sempre recorremos, ficando ao relento

enquanto os ratos engravatados no Congresso
desviam  e precarizam saúde, educação, alimento
enquanto nós permanecemos estagnados no regresso
nos sentindo pequenos, sofrendo

sob novas formas de adoecimento
físico, espiritual, psicológico, estrutural
eis o sistema colonial na era digital
maquiado, sonegado e privatizado; fatal

"mas se você me pergunta
Como vai?
respondo sempre igual
Tudo legal...
mas quando você vai embora
movo meu rosto no espelho,
minha alma chora."


''Cartas a um jovem poeta'', 1929

''[...] Também não se deve assustar, caro sr. Kappus, se uma tristeza se levantar na sua frente, tão grande como nunca se viu; se uma inquietação lhe passar pelas mãos e por todas as ações como uma luz ou a sombra de uma nuvem. Deve pensar então que algo está acontecendo em si, que a vida não o esqueceu, que o segura em sua mão e não o deixará cair. Por que deseja excluir de sua vida toda e qualquer inquietação, dor e melancolia, quando não sabe como tais circunstâncias trabalham no seu aperfeiçoamento?''



[Rainer Maria Rilke]

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Soneto da doce queixa

Assusta-me perder a maravilha
de teus olhos de estátua e o acento
que pela noite a face me polvilha
a erma rosa que há no teu alento.

Tenho pena de ser sobre esta orilha
tronco sem ramos, e a dor que sustento
é não ter eu a flor, polpa ou argila
pró verme de meu próprio sofrimento

se és meu tesouro oculto, que sitio,
se és minha cruz e meu sofrer molhado
e eu o cão preso de teu senhorio,

não me deixes perder o que me é dado:
vem decorar as águas do teu rio
com folhas de meu outono perturbado.

[Federico Garcia Lorca, "Soneto de la dulce queja"]

sábado, 28 de julho de 2018

impus uma regra a mim

de ser o melhor que eu puder
e enfim reagir
da forma mais sábia.

exercício dolorido
me dilacera e me diminui
talvez não precise ser assim,
é dificil fazê-lo

por me sentir deslocada no meio
que se orgulha de sua mediocridade
que defende com ódio e violência
o seu direito de ser pequeno.

e do alto da minha grandeza
também chamada arrogância
não me permito a ninguém machucar
e, diretamente, me machucar
não permito a ninguém.

mas indiretamente
perceber as coisas estagnadas
imersas num mar de ignorância,
infundada intolerância,
me deixa triste e magoada.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

¡Peligro! Politicos en campaña #1

Representantes do povo que só representam interesses próprios.
Contratos e concessões que só beneficiam seus próprios negócios,
Enquanto na desigualdade crescente, a sociedade se mutila em ódio.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Prefácio


Assim é que elas foram feitas (todas as coisas) —
sem nome.
Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caíam no mar.
A voz se estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
Dependimentos demais
E tarefas muitas —
Os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
Que as moscas iriam iluminar
O silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
Que as moscas não davam conta de iluminar o
Silêncio das coisas anônimas —
Passaram essa tarefa para os poetas.

[Manoel de Barros]

As tardes de te amar sem medo.

Atrás de um grande amor que passou
outro grande amor
e outro ali, numa foto queimada
que paira aqui.
E a memória transa saudades na lembrança
do amor passado
idealizado
como o sonho bonito
que ninguém sonhou.

A mente inflama
e depois apaga
logo mais retorna
e você não sabe
se o silêncio é sorte
se é chão de morte
o cessar da chama.

E a tentativa forçada e vã de choro é pior que o choro.
O jeito que ela se encaixava em você.
E adormecia sempre primeiro.
E como aquilo tudo foi ainda tão pouco?
Aquele ser infeliz ao lado dela, desejando não estar?
Era eu.

E aí as pernas ficam dormentes.
E é como a morte em vida.
E vai chegar o dia em que vocês estarão no supermercado
e se encontrarão num tedioso acaso,
mas olharão um para o carrinho do outro
tudo vai fazer sentido
nada vão estar sentindo
só inveja daqueles ovos
daquelas cervejas em promoção
aquele dia de amor na piscina
naquela tarde, ela disse que não.

E as flores que você mandou
as ruas bonitas de Buenos Aires
o latido do cachorro quando chego
o orgulho dela ser tão doce
os quebra-cabeças nunca montados
as tardes de amar sem medo
Ah, as tardes de amar sem medo!

Patrícias
Carolinas
Agora, quem são?

O jeito como ela me olhava.
O carnaval de nós dois
o barulho que o amor fazia
o calor quando você entrava
o frio quando a dor rangia
os programas imbecis na televisão
e o peito entalado na garganta
o choro doído de não ter volta
a vontade de pular da cama
de pular da ponte
de gritar seu nome
e dizer depois que

Obrigado.



Regresso

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

[Manuel António Pina]


  

domingo, 1 de julho de 2018

Patti Smith:

 “Pode-se dizer que sou uma devota da escrita, ou que a escrita é de mim. Sentimos devoção uma pela outra. Não posso imaginar minha vida sem escrever. Se só pudesse ficar com uma coisa, ficaria com a literatura.”

O DEMÔNIO

(1823)

Quando não me era ainda insossa
cada impressão da vida outrora
– rumor de bosque, olhar de moça,
canção de rouxinol na aurora –
e quando a liberdade, o amor,
a glória, as artes, o melhor
da inspiração e altas idéias
turvavam-me o sangue nas veias,
um certo espírito nefando,
trazendo angústia e me anuviando
horas confiantes de prazer,
passou, em sigilo, a me ver.
O nosso encontro era sombrio
e ele sorria com o olhar
cheio de escárnio ao me instilar
dentro da alma um veneno frio.
Pois caluniava sem receio
e desafiava a Providência,
julgava o Belo – um devaneio,
a Inspiração – tolice imensa,
o amor e a liberdade – vis.
E, olhando altivo, com profundo
desprezo, a vida, ele não quis
abençoar nada em todo o mundo.

_-_

O SEMEADOR
O semeador saiu para semear...

Eu semeador, deserto afora,
da liberdade, fui com mão
pura lançar, antes que a aurora
nascesse, o grão que revigora
no sulcos vis da escravidão.
Mas todo esforço foi em vão:
joguei vontade e tempo fora.

Pasce, pois eu te repudio,
ralé submissa e surda ao brio.
Libertar gado é faina ingrata,
pois gado se tosquia e mata.
Herda, por gerações a fio,
canga, chocalhos e chibata.

_-_

“DOM INÚTIL...” (26 de maio de 1828)

Dom inútil, dom fortuito,
por que a vida me foi dada?
E o destino, com que intuito
a condena a um fim: o nada?

Que poder hostil, do pó,
suscitou minha alma ardente
e lhe deu paixão, mas só
dúvida à minha mente?

Sigo a esmo de ermo peito,
mente ociosa e, sem saída,
pesaroso, eu me sujeito
ao maçante som da vida.

_-_

[Aleksandr Púshkin]

Só lhe devo desobediência #2

"Se a maioria prefere submeter-se, não é por madura reflexão sobre o bem e o mal que isto pode resultar, mas porque está, por assim dizer, hipnotizada. Obedecendo, os homens submetem-se simplesmente às ordens que lhes são dadas, sem refletir e sem fazer um esforço de vontade. Para não obedecer, é preciso refletir com independência, e isto constitui um esforço de que nem todos são capazes. Mas, caso fosse afastado o significado moral da sujeição ou da rebelião e consideradas apenas as vantagens materiais, se veria que a rebelião é, em geral, mais proveitosa do que a submissão."

[Liev Tolstói em O Reino de Deus]

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Eu amei-te...

Eu amei-te; mesmo agora devo confessar,
Algumas brasas desse amor ainda estão a arder;
Mas não deixes que isso te faça sofrer,
Não quero que nada te possa inquietar.
O meu amor por ti era desesperado,
Tímido, por vezes, e ciumento por fim.
Tão terna, tão sinceramente te amei,
Que peço a Deus que outro te ame assim.

[Aleksandr Púshkin]

da série: preciso lembrar do autor

"A maioria dos homens e mulheres, por nascimento ou natureza, 
não tem os meios para progredir na riqueza e no poder; 
mas todos tem a capacidade de progredir no conhecimento."

domingo, 17 de junho de 2018

Eu sim, separo a obra do autor.

Apesar de ser necessário e até interessante saber o verdadeiro autor e o contexto histórico de determinada obra, não me importa muito esse tipo de informação. No subjetivo mundo do lirismo, prefiro a compreensão do que a explicação. A interpretação do fato ou do feito, a partir da sua visão de mundo. Não a lógica prevista das coisas, mas a retórica indefinida do ser.

Do poder hipócrita

a François duc de la Rochefoucauld


O pé tem a ver com o pontapé e com o balé.

A mão tem a ver com o afago e com a agressão.

A boca tem a ver com o beijo e com o vitupério.

Assim como a saliva tem a ver com o gosto e com o escarro.

E o riso com o gozo e com o escárnio.

Ambos a se opor. Não há como ser um, se o outro for.

Razão direita e relação causal. Para o bem e para o mal.

Mas afinal, o que a Justiça tem a ver com a justiça?

A Igreja tem a ver com a fé? A métrica tem a ver com a poesia?

O rito tem a ver com o ato? Estelionato.

Quando não a sua negação, quanto têm de simulação?

A forma que deforma o sentido e oculta interesses inconfessados.

A farsa como o disfarce que autoriza a mentira socialmente consentida.

Quando não o seu oposto dissimulado pela capa do ilusionista?

O exercício do poder hipócrita na lei escrita. Lei que é para todos?

Palavras homógrafas, mas cognatos enganosos.

[ não consegui identificar o(a) autor(a), mas tá nesse link aí:
https://concertosgerais.wordpress.com/poesia-3/ ]

covil

o mundo
não se acabou,
mas o amor
ninguém viu,
quem sentiu
se escondeu.
a lágrima
que escorreu
se enxugou.
o sorriso
que se abriu
- assustado -
se fechou.
e assim
se seguiu
o destino vil
da humanidade,
temerosa, venenosa
e hostil.



quarta-feira, 13 de junho de 2018

Depressão Metafórica

Tesão extasiante por pessoas melancólicas.
Atração intensa por coisas mórbidas.
Amor nos tempos de cólera.
 
"Ninguém tem ombro pra suportar sozinho o peso de existir." 

[Mia Couto]

Liberta

Tentando prender o amor,
Quando conseguia alcançá-lo.
E sufocando-o,
Quando não queria externalizá-lo.

Sempre foi um fardo,
Agora senti que eu sentia errado,
De tantos relacionamentos equivocados
Precisei me desintoxicar.
Paixões rasas em ilusões baratas.

É melhor quando me livro
De confusas conclusões,
Suposições e precipitações.

É melhor quando livre,
Podendo assim me adaptar
Aos restos e gostos,
Sentimentos e rostos.





terça-feira, 12 de junho de 2018

Aceitarás o amor como eu o encaro?...

[...]

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.

[Mário de Andrade]

Ela vai dançar - Eddie

Olha só essa menina que balança, olha só...
Olha só, ela vai dançar a noite inteira
Ela vai cantar todas as músicas
Pra desfazer...
Pra desfazer a dor e refazê-la.

Quando a nossa flor se abrir inteira
Quando a nossa cor era vermelha
Pra se fazer do amor a vida inteira
E a vida inteira, amor, satisfazê-la.

Olha só essa menina que balança e dança
Olha só.
Olha só, ela vai dançar a noite inteira
Ela vai cantar todas as músicas
Pra desfazer... (Dor, amor)
Pra desfazer a dor e refazê-la.

Quando a nossa flor se abrir inteira
Quando a nossa cor era vermelha
Pra se fazer do amor da vida inteira
(Dor, amor)
E na vida inteira, amor, satisfazê-la.

Pra desfazer e refazê-la,
Satisfazendo a dor
Da quarta-feira.

Seu rapaz não lhe procura mais...
Seu rapaz não lhe procura mais...

quinta-feira, 7 de junho de 2018

A DISFUNÇÃO

Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso de
a menos
Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso
trocado do que a menos.
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa
disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica.

1 - Aceitação da inércia para dar movimento às palavras.
2 - Vocação para explorar os mistérios irracionais.
3 . Percepção de contiguidades anómalas entre
verbos e substantivos.
4 - Gostar de fazer casamentos incestuosos entre
palavras.
5 - Amor por seres desimportantes tanto como pelas
coisas desimportantes.
6 - Mania de dar formato de canto às asperezas de
uma pedra.
7 - Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais
importância aos passarinhos do que aos senadores.

[Manoel de Barros 
em Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo, 2001]

Facebook Love

Meu amor: sempre que entro no facebook
lembro-me de ti
e no entanto
eu sei
que digo coisas muito incompreensíveis
e não sou deste tempo.

Estou sozinho na frente deste écran onde alguém
comentou a tua última fotografia e não consigo
lembrar-me de uma frase normal e simpática
sozinho
apesar de hoje fazer um ano que nos conhecemos.
Não te culpo por não estarmos juntos neste momento
porque sei que a culpa não é tua, que vives noutra cidade
e que nem sequer o dinheiro sobra (apenas as saudades).

Escolhi um caminho errado para a minha vida,
porque todos os caminhos certos me pareceram
ainda mais errados. Assim, fiz tudo o que tinha que fazer,
ou seja, pensei e senti. Não preciso que compreendam as
minhas ideias mas do ser humano ocasional espero ainda
um pedaço de tempo para uma conversa sem pressas,
uma vez por mês, com um café ao alcance da mão.
À janela do estabelecimento, espreitando sempre,
há os pais dos outros e os filhos dos outros
e as casas
e contra ou a favor da história natural eu posso
nada.

Talvez viaje no próximo mês e a distância se
altere. Apetecia-me ir a pé de uma cidade a outra,
como dantes faziam os artistas e outras pessoas normais;
mas nas estradas grandes é proibido andar a pé e os
caminhos pequenos agora servem para amontoar
os habitantes da cidade que não encontraram ninguém
a quem entregar o seu amor. Enquanto decido,
a tua ausência sempre me vai fazendo alguma companhia.

Por favor cuida de ti,
tem cuidado a atravessar as ruas:

Deves saber que nunca tratei bem os mortos.

[Rui Costa em Mike Tyson Para Principiantes
antologia poética, ed. Assírio & Alvim]

sábado, 2 de junho de 2018

muito dificil, para mim, contrariar a essência

“Se uma planta não consegue viver de acordo com sua natureza, ela morre, assim também um homem.”

[Henry David Thoreau em Desobediência Civil]

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Itinerário

O ódio é meu combustível, mas o amor é meu destino.

terça-feira, 29 de maio de 2018

"Conhecimento é autonomia"

Sem dúvidas (embora com muitas delas), a palavra mais dita em minhas aulas é "por que". Hoje sou eu quem pergunto para que logo daqui a pouco sejam eles. Vivendo novas experiências trocando ideia com crianças de uma faixa etária que eu não tava acostumada, tenho percebido que alguma coisa acontece depois da primeira infância. Os "'por que's" diminuem e chegam a ser novidade na construção do conhecimento. Será que essa coisa que acontece é a entrada na escola? É o encontro com o conhecimento tabulado em disciplinas? Num ambiente que lista o que devemos aprender sobra espaço pra dúvidas? Esse modelo de ensino me aflige tanto. A escola parece não ser lugar de reflexão. Raramente estimuladas e raramente bem vindas. E um resultado é pensamento que não vê o todo, não enxerga as relações, as conexões, causas e consequência entre o que chamam de diferentes áreas do conhecimento. Conhecimento é autonomia. Conhecimento dá poder. Carrego comigo esse desejo de ajudar pessoas a se emanciparem, a enxergarem as correntes. Eu não desistirei dos meus '"por que's" e espero que as crianças tbm não.

- Mariana Rosas - 

terça-feira, 22 de maio de 2018

Desde sempre: politicagem

"A explicação para o fato de não termos trilhado uma outra via - democrática talvez - de desenvolvimento do capitalismo no país deve ser buscada não nas questões econômicas, mas sim nos interesses e poder dos grupos sociais envolvidos no processo."

[via A questão agrária no Brasil]

segunda-feira, 21 de maio de 2018

“Ela tem asas, mas em parte alguma pousa”

“Ele foi embora”,  pensou.

 Ela, tão cheia de dignidade,  tão irônica e segura de si,  suplicara- lhe que ficasse,  com tal palidez e loucura no rosto,  que das outras vezes ele acedera.  E a felicidade invadia-a tão intensa e clara, que a recompensava do que nunca imaginava fosse uma humilhação,  mas que ele lho fazia enxergar com argumentos irônicos, que ela nem ouvia. 

Ele voltaria,  porque ela era a mais forte.

[trechos de O triunfo, Clarice Lispector]

domingo, 20 de maio de 2018

União litigiosa

esse mundo não tem lugar pra mim
nem ele tem espaço em mim.
mas já que estou aqui e ele esta aí,
posso inventar algo que nos ajuste, enfim.

vai ser difícil e muita vezes incompreendido,
sei que o que me espera não vai ser
uma posição social de prestígio,
legitimado por essa sociedade doente.

que bom e que ruim.

será um lugar inabitado
e até marginalizado,
um estado deslumbrado
pelo vislumbre conquistado.

será um sentido para fora dos limites,
solitário.
mas posso insistir...
eu acredito que sim.


"Cheguei.

Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha…"

[trecho de Nel mezzo del camim… – Olavo Bilac]

sábado, 19 de maio de 2018

[Poesia Sem Fim, de Alejandro Jodorowsky]

"Poesia.
Iluminarás meu caminho,
como uma borboleta que queima."



Últimas notícias:

Criança de um ano morre
por falta de atendimento no hospital
No mesmo mês em que se inaugurou
o Hospital Costa do Cacau.

Homem é morto a tiros
para aprender a se policiar
Não era suspeito, nem bandido,
mas tinha a cor que o racismo adora violentar.

Mais uma mulher assassinada,
vítima da violência de gênero
Mas nenhum machista
arrependido no seu enterro.

Diante de tantas atrocidades, ansiedade.
Em cada fatalidade, uma brasilidade
com resquícios de crueldade.
Perversa humanidade.



Queruá - Gudicarmas

- Já me desejei um coração de pedra, ó Pai!
- Mas de pedra não te sentirás tão forte... Deixa assim pulsar, não vou prometer; és minha obra prima, filho sonhador! Mas vai dar pra ver, não vai ter que procurar aquele sono bom.
- Espero que enquanto que estivemos loucos... aconteceu uma pane na cidade inteira!
- Espera um pouco mais, ver no que vai dar...
- Quanto dura a dura espera até você voltar? Vai bater à porta ou telefonar? Na verdade, não precisa se incomodar em vir. Adeus.

Japhy viajante senta e reza como um Buda,
enquanto eu corro feito um louco e rezo muito pouco.
Japhy viajante senta e reza como um buda,
enquanto eu rezo muito pouco e bebo feito um louco.

Sem saber se o raio é claro, certo e queima meu juízo
Sem notar se a estrada acaba logo e vira precipício
Mas há de ter razão pra eu não voar, não não.
Pra eu não voar não...

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Slam #2

Sociedade espetáculo:
As causas e coisas só são importantes a nível de visibilidade que proporcionam,
Na quantidade de likes que adicionam.
Me revoltar e lutar? De que isso importa?
Se cantar merda do youtube
ou falar besteira pra caralho no facebook é o que tá na moda.
Soco na cara e pé na porta.
Essa alienação  facilita nosso aprisionamento
A burrificação das massas é uma plano político de subdesenvolvimento
Que nos quer pobres de material, espírito e pensamento
Que nos quer como gado de fácil aliciamento
Pronto pra abate, sentindo-se livres vivendo entre grades
Acorda, neguim, Methiorlade que não arde não condiz com a realidade.
A veracidade dos fatos está sob manipulação do carrasco
Capitão do mato, servindo aos interesses de ratos engravatados
Protegidos pelos porcos fardados
Eis a multiplicação dos fardos e dos contratos sociais antiquados.
Onde um manda e o outro é mandado.
Onde um explora e o outro é explorado.
Classe dominante se banhando no sangue de seus dominados.

Mais um obstáculo.
Raciocínio barato atrasa a evolução da consciência.
Atrasa o estabelecimento de uma sociedade pautada no bem-estar
Nossas diferenças motivam desavenças
E só fazem nos segregar.
Esse será nosso fim, mas não deveria ser assim
Quando aprenderemos a nos respeitar?
Não precisamos ser iguais, nem conseguimos ser pontuais
Não precisamos agir da mesma forma para viver fraternamente
Apenas compreender e aceitar quem pensa diferente
Viver entre as diversidades, exercitando a empatia
Parece utopia, já que não existe lógica no país das propinas
Corrupção legalizada no governo de oligarquias
se é prefeito, vereador ou deputado, não importa, são todos bandidos
lucrando em cima de eleitores alienados
que adoram viver de paliativos.
Enquanto ostentam e só nos sobram restos
Sistema desonesto e indigesto
não dá pra permanecer calada e fingir que não é comigo,
nessa atmosfera de iminente perigo,
é preciso que a gente não se sinta abatido.
Pelo contrário, de cabeça erguida e interesses unidos,
vamos fuzilar cada esquema desse complexo corrompido.

sábado, 12 de maio de 2018

Anarquia

“Para a anarquia vai a humanidade
Que da anarquia a humanidade vem!
Vide como esse ideal do acordo invade
As classes todas pelo mundo além!

Que importa que a fração dos ricos brade
Vendo que a antiga lei não se mantém?
Hão de ruir as muralhas da Cidade,
Que não há fortalezas contra o bem

Façam da ação dos subversivos crime,’
Persigam, matem, zombem… tudo em vão…
A idéia, perseguida, é mais sublime,

Pois nos rude ataques à opressão,
A cada herói que morra ou desanime
Dezenas de outros bravos surgirão.”

[José Oiticica]

quarta-feira, 9 de maio de 2018

O homem isolado não pode ter a consciência de sua liberdade. Ser livre, para o homem, significa ser reconhecido, considerado e tratado como tal por um outro homem, por todos os homens que o circundam. A liberdade não é, pois, um fato de isolamento, mas de reflexão mútua, não de exclusão, mas de ligação; a liberdade de todo indivíduo é entendida apenas como a reflexão sobre sua humanidade ou sobre seu direito humano na consciência de todos os homens livres, seus irmãos, seus semelhantes.
[Mikhail Bakunin]
"Ela encontrou o único meio para imortalidade. Ela morre diariamente."

[ g o s t o ]

gosto quando teu toque
ultrapassa o mero sentir
e me atinge na inteligência

me masturbo com tuas palavras

e quando concluis uma ideia
chego ao ápice
ao levar-me junta a tal síntese

minha pré-disposição a entender alerta
com neurônios fogosos
excitados de teorias que você mesma inventa

tudo isso porque
- sabe -
que o que abala minha mente
faz gozar meu corpo inteiro

[Bárbara Esmenia]

terça-feira, 8 de maio de 2018

15 maneiras para começar o processo de descolonização

 1. Seja transparente com você mesmo sobre as coisas que você sabe e as coisas que você não sabe. A aprendizagem é um processo infinito.
2. Seja acessível com a sua linguagem. Nem tudo precisa parecer uma declaração de tese. Mantenha a linguagem simples. Se você não consegue explicá-lo a uma criança de cinco anos, retrabalhe a sua análise.
3. Entenda as conexões entre a descolonização, o racismo anti-negros, o sexismo, a homofobia e a supremacia branca. Essas estruturas de poder não são mutuamente excludentes.
Aborde culturas não-brancas com a mesma reverência, respeito e importância histórica que sempre 4. foi dada aos sistemas culturais brancos.
5. Não seja um “man-splainer” (“homem-explicador”).
6. Não tome todo o espaço da discussão.
7. Esteja disposto/a a escutar.
8. Todos/as têm o mesmo tipo de privilégio, mas alguns mais do que outros. Confira os seus próprios antes de abrir a boca.
9. Conversas não precisam sempre ser macro. Faça as coisas micro para que você possa ver resultados reais na sua vida.
10. A hierarquia começa de baixo para cima. Até que aquele que está em baixo esteja em cima, não existirá uma equidade real.
11. Responsabilize a você mesmo, seus amigos, e família, sobre qualquer equívoco ou maneiras coloniais de pensar com as quais você se envolve. Não tenha medo de chamar a atenção um do outro.
12. Não deixe que a sua sabedoria seja apenas para se mostrar. Bote-a para trabalhar e trabalhe.
13. Entenda o legado histórico da linguagem que está sendo usada para diminuir diferentes formas de existência.
14. Tenha noção de como o acesso à educação, ou a falta dele, cria reais barreiras sociais.
15. Volte ao ponto número 1.

[por Tari Ngangura em www.goethe.de]

domingo, 29 de abril de 2018

Ainda não

não há dinheiro para partir de vez
não há espaço demais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar

[trecho "Ainda não"- Antonio José Forte]

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Não inventes

Não venha cá com merdas. Não inventes.
Não olhe nos meus olhos. Sai apenas.
E poupa-me aos discursos eloquentes
e às farsas do adeus. Não faças cenas.

Não digas que lamentas ou que a vida
às vezes é assim; que tudo esquece;
que o mundo e o tempo curam qualquer ferida.
Repito, meu amor: desaparece;

E leva o que quiseres de tudo quanto
um dia suspeitávamos partilhar:
os livros, as esculturas em pau-santo,
os discos, os retratos, o bilhar.

Não deixes endereços. Por favor:
Eu quero é que te fodas, meu amor.

[José Carlos Barros]

Horizonte de Fantasias

A inspiração é um transpirar do corpo que padece das dores dos dias. Quem coloca no papel é porque precisa. Sente a alma aliviar. Não se trata de mensagem ou recado, é um jeito de permanecer vivo, atento ao mundo ao redor. Curto ou longo, a palavra rabiscada é como se fosse mais uma dose, um silêncio a menos entre todos estes que guardamos nas noites em claro. Melhor que isso, só o carinho de se sentir compreendido. E este só existe na medida do contato com as pessoas. É estranho pensar que ninguém vive o texto sozinho. Nem quem escreve, nem que lê. Somos espectadores de um mundo que existe na medida que o tocamos sem jamais possuí-lo. E o sentido desses dias todos é saber deixá-los escapar por nossos dedos e olhares. Sumir no horizonte de fantasia que desfaz nossas certezas. Somos o nosso passo de agora e nem mesmo este é nossa propriedade. Nem meu texto, nem meu pensamento de agora. Transpiro o suor de ontem e já sou outra pessoa. Quem ama aprendeu a mudar: de roupa, de texto e de atitude. Quem é amado aprendeu a ser grato pelo carinho que permanece. A inspiração é um transpirar de delicadas estranhezas.

…ufa…

[Felipe Belão]

quinta-feira, 26 de abril de 2018

"ah Dindin,
se tu soubesses
como machuca,
não amaria mais ninguém..."

quarta-feira, 25 de abril de 2018

de peito aberto

não procuro por explicações,
peço apenas que sejas sincero.

gosto de participar das abstrações
sem um compromisso sério.

nos dão uma série de imposições
e levamos como se fosse certo.

contraditoriamente, minhas convicções
é que me mostram o todo incerto.

a verdade real imutável? só suposições...
transformação, evolução é o que espero.

me perco em meio ao deserto de divagações...
me encontro; e gosto de ter você por perto.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Pela emancipação da mulher

"A emancipação da Mulher não está na igualdade desta perante o homem, nas prerrogativas políticas, de mando e de trabalho, mas sim na emancipação da Humanidade da tutela política e na Igualdade econômica e social de todo o gênero humano. A mulher não é escrava do homem..., mas escrava juntamente com o homem de mil preconceitos e vítima como ele da exploração [...] Nós devemos é lutar... junto aos homens para que a emancipação seja um fato, ...para todas as pessoas...para a Humanidade..."
[Isabel Cerruti - sp 1922]


"Sabemos que a mulher é considerada como ser inferior e fraco devido à influência religiosa, que faz com que ela por si mesma se considere sem o direito de lutar em favor de suas reivindicações. Vemos, em todas as indústrias, o braço da mulher explorada miseravelmente como produtor de mão-de- obra barata pelos capitalistas, e compreendemos que ninguém senão elas mesmas pode e deve lutar para seu próprio bem-estar. [...] E não podem nem devem esperar de nenhum partido político ou Governo a sua defesa econômica, física ou moral; porque a História não registrou fatos desta natureza."
 [Alzira Werkauzer]

"Já é tempo da mulher se livrar das cadeias do servilismo e da humilhação que até agora a têm impedido de ocupar o seu posto na luta pela liberdade. A humanidade precisa de homens emancipados para o progresso da sua evolução e não de bonecos embrutecidos pelo fanatismo. Como, porém, conseguir este ideal, quando a mulher, que tem ao seu cuidado a educação da prole, é um ser embrutecido pela ignorância e incapaz de agir independentemente? O clero tem nisto grande responsabilidade. [...] A vós homens livres que almejais a liberdade, a vós eu me dirijo para incitar-vos a que empregueis todos os meios persuasivos a fim de estimular as vossas companheiras e as vossas filhas a tomar parte nessa obra de elevação intelectual e moral, base primordial da sua libertação! Companheiras! Já não é sem tempo que as vossas faculdades recuperem a sua lucidez e vivacidade. Sejamos eficazes colaboradoras da grande tarefa da redenção humana. [...] Propaguemos, para bem da humanidade, o nosso ideal de amor, de justiça e de liberdade."
[Angelina Soares - 1913]


"É preciso, sobretudo que a mulher se instrua e que divulgue as leituras fortes e úteis, fazendo compreender que somos uma poderosa e formidável energia no grande contingente das energias sociais. [...] A nossa ignorância é cultivada calculadamente. A instrução não se resume ao acúmulo de conhecimento puro e simples.  É, antes de tudo, uma educação capaz de despertar nossa consciência crítica para combater os valores que tradicionalmente nos hostiliza, limitando nossa ação transformadora."
[Maria Lacerda de Moura]

O Verão Partiu

O verão partiu
e nunca devia ter vindo
será quente o sol
mas não pode ser só isto

tudo veio para partir
nas minhas mãos tudo caiu
corola de cinco pétalas
mas não pode ser só isto

nenhum mal se perdeu
nenhum bem foi em vão
à luz clara tudo arde
mas não pode ser só isto

agarra-me a vida
sob a sua asa intacto
sempre a sorte do meu lado
mas não pode ser só isto

nem uma folha se consumiu
nem uma vara quebrada
vidro límpido é o dia
mas não pode ser só isto

[Arseny Tarkovsky]

domingo, 22 de abril de 2018

Adeus à Hora Largada

Minha Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das senzalas* do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

[Agostinho Neto]

Expandir em curiosidade.

Me fazer acreditar que é impossível mudar algo e esperar por um destino já predeterminado vai de encontro a "extrema incerteza da natureza aleatória da existência''. Tire suas convicções do caminho, que eu quero passar com minhas dúvidas e metamorfoses.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

19.04.17

Os brasileiros são induzidos a acreditar que não pertencem ao Brasil e assim, o Brasil segue não pertencendo aos brasileiros.
Não falo de patriotismo idiota [[cbf huehue br]], falo de amar e respeitar o lugar onde vive, falo de expulsar quem desarruma nossa casa e espalha o caos entre nós.
Milhões de pessoas viverem como sardinhas dentro uma lata, apertados nos ônibus, nas periferias, nos hospitais, nas escolas: pode. Pichar um banco, cuspir num deputado nazista, lutar pela nossa dignidade: não pode.
Como se o material, o privado, alguns políticos fossem mais importantes que as necessidades e vontades de 200-fucking-milhões de pessoas.
Nós nem sabemos quem somos, namoral...
Tem que bater no peito com o orgulho de ser brasileiro, com a vontade de tomar de volta o que é nosso, tomar parte DIRETAMENTE das decisões que interferem na vida da população e botar pra fuder, porra...!

segunda-feira, 16 de abril de 2018

desfocada

não há orgulho em permanecer sã
apenas dor e cansaço
não há sucesso
apenas um mutuado e vazio espaço
para continuar me sentindo
des-
locada.

terça-feira, 10 de abril de 2018

NOTAS PARA O DIÁRIO


deus tem que ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis, vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de acabar comigo mesmo.

a dor de rodas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso das cinzas. gosto do deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.

pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lisboa na fragata do alfeite, basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro, e mandar
arrear o velame.
é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o filme acabou.
não nos conhecemos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade, fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas... e nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia do tamanho deste mar.

a dor de todas as ruas vazias.

[Al Berto]

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Mais militância acadêmica:

Não vejo uma participação efetiva do meio acadêmico diante das questões sociais no nosso país.Os intelectuais são apolíticos intencionalmente, ou de fato são apolíticos?! Ou é uma classe de direita que não se enxerga como trabalhadora?! Atrasos de pagamentos e sucateamento das universidades públicas, são resultados "também" da falta de maior união entre professores universitários, estudantes e setor administrativo, ou seja, uma participação efetiva, as quais precisam de maior empenho para abalar as estruturas de abandono do sistema educacional universitário púbico. O meio acadêmico não pode e não têm o direito de não lutar efetivamente para a melhoria das condições: política, social, econômica, cultura, do nosso país, principalmente do que tange ao próprio sistema educacional público de forma efetiva.

[Rosangela Graca Souza]

As várias superstições

É a escravidão moderna do salário para matar a fome e cobrir a nudez dos filhos, também cedo destinados à exploração torpe e miserável do parasitismo social, incansável na sua faina, de acumular bens para gozar à custa do suor exaustivo das máquinas de trabalho, dos animais de tiro, do proletariado mundial. Devemos à superstição governamental, à superstição religiosa sectarista, à superstição patriótica, à superstição nacionalista, à superstição do progresso material, à ganância de uns e ao servilismo da maioria – o predomínio desta civilização de duas classes sociais: a dos ricos e a dos pobres.
A humanidade custará a compreender que a vida social poderia desdobrar-se num ambiente de solidariedade, de auxílio mútuo, sem amos nem escravos, sem protetores e protegidos, sem representações parlamentares em mediocracias diplomadas...

- Maria Lacerda de Moura -

sábado, 7 de abril de 2018

Desorganizando o mundo 7.04

As coisas, pessoas, ideologias são variadas demais e mutáveis demais para que nos apeguemos cegamente a só um modelo de organização. O desenvolvimento humano só é possível com uma economia estável com a economia mundial, visto que hoje todos os bens são mercadoria. E crescer economicamente só por crescer, acentua a desigualdade e a exclusão, criando os principais problemas sociais que enfrentamos e que não conseguiremos solucionar. Devemos conhecer o processo histórico que nos trouxe aqui e nos empenhar em construir esse país comprometidos com a ética da coletividade, o que vai muuuuito além desses objetos e objetivos rasos de "direita x esquerda". Então bora estudar, bora pensar, bora fazer...

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Paráfrase


Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.

A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência
de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.

Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.

[Pedro Mexia]

Coisas de mim

Não sou santa
E nem sou Puta
Sou mulher!
Teia, aranha
cama de gato
Armadilha do diabo
Fogo,aço,terra ,céu.
Minha saliva é como mel e Própolis
Minhas cores é "arco" íris
Maré Oxum ,Azul do mar.
Não sou santa
Nem sou Puta!
Sou a voz que de mim ecoa
Raiz,tronco,Bambuzal
Argila,Tupinambá
Teatro, vida real
Sou ariano torto que na ventania
Enverga mais não quebra.
Sou
A
Free
Ka!

[AnneSilva]

terça-feira, 3 de abril de 2018

Mulher Fenomenal

Lindas mulheres indagam onde está o meu segredo
Não sou bela nem meu corpo é de modelo
Mas quando começo a lhes contar
Tomam por falso o que revelo

Eu digo,
Está no alcance dos braços,
Na largura dos quadris
No ritmo dos passos
Na curva dos lábios
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Quando um recinto adentro,
Tranqüila e segura
E um homem encontro,
Eles podem se levantar
Ou perder a compostura
E pairam ao meu redor,
Como abelhas de candura

Eu digo,
É o fogo nos meus olhos
Os dentes brilhantes,
O gingado da cintura
Os passos vibrantes
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Mesmo os homens se perguntam
O que vêem em mim,
Levam tão a sério,
Mas não sabem desvendar
Qual é o meu mistério
Quando lhes conto,
Ainda assim não enxergam

É o arco das costas,
O sol no sorriso,
O balanço dos seios
E a graça no estilo
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal
Assim sou eu

Agora você percebe
Porque não me curvo
Não grito, não me exalto
Nem sou de falar alto
Quando você me vir passar,
Orgulhe-se o seu olhar

Eu digo,
É a batida do meu salto
O balanço do meu cabelo
A palma da minha mão,
A necessidade do meu desvelo,
Porque eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

[Maya Angelou]

quinta-feira, 29 de março de 2018

Mensagem para uma grande amiga:

Bato palmas para sua boa intenção.
Infelizmente, você não percebe que a ideologia que nos sobrou, domina o mundo e é aquela que promove a ganância, o acúmulo e o individualismo.
Sou e serei sempre contra as grandes corporações.
Nunca, o poeta chegará perto de ideologias mesquinhas como muita gente, sem notar, vai se engajando.
Precisamos ficar atentos porque Hitler está renascendo das cinzas.
Lembram da campanha contra Marielle?
-"Ela era a favor do tráfico".
-"Ela era a favor da legalização das drogas".
Ninguém pode ter essas duas posições ao mesmo tempo. São antagônicas.
Lamento, mas não sou a favor da mão de ferro do Estado.
Por outro lado, o poeta nunca será a favor do Estado Mínimo.
No mínimo, o Estado tem que ser equilibrado. Senão, nunca existirá a meritocracia.
Sou mais Lisboa do que Orlando, viu amiguinha?
Escola, saúde, educação, moradia para todos.
Jesus, o humanista e revolucionário, é o meu guia.
Foi crucificado entre dois ladrões.
Pilatos lavou as mãos.
Salve a transposição imaginada desde Dom Pedro II. Salve a água no sertão.
A Justiça também é dominada pelas grandes corporações? Claro. Existe algo por trás da cortina do teatro.
Cuidado com Rússia, China e o Tio Sam? Cuidado com quem nos domina.
Cuidado com Facebook! Olha a eleição de Trump!
As grandes corporações adoram...privatizações !!!
O último apagão foi promovido por uma empresa de energia chinesa.
Água...
Metais.
Natureza.
Valeu a pena privatizar a Vale?
Virou um mar de lama.
Afogou Mariana. Sabias que a Samarco é Australiana? A culpa foi do canguru?
A Vale do Rio Doce empurra com a barriga uma dívida ao IR que se fosse paga e usada na saúde e educação, resolveria esse crucial problema.
O Judiciário é corrompido o induzido para empurrar o processo com a barriga. Daqui a dez anos, não tenhas dúvidas, a dívida será perdoada.
BILHÕES, BILHÕES e BILHÕES !!!!

A internet, nos transforma em mulas e repassadores de mensagens enviadas por marqueteiros que nos usam e nem sequer desconfiamos. Cuidado com os marqueteiros...
Como não pertenço a grupos virtuais, me salvo da "Bolha do Domínio."
Felizmente, permaneço menino, traquino...
Já falava, há muito que estávamos sendo usados, escravizados como mulas e, por isso, sempre foi contestado por aqueles que argumentam:
- "Ele é um adepto da Teoria da Conspiração".
Acredite, não sou não.
Sempre fui um questionador.
A minha professora de filosofia, Bernadete Pedrosa, me ensinou a raciocinar com lógica.
O silogismo é a salvação. Mas, cuidado com as premissas! Quando uma delas é falsa, a conclusão também se torna falsa.
Estávamos em tournée na Europa, no fim da década de 80, e ao passar pela Alemanha Oriental, previ a queda do Muro de Berlim.
Por quê?
Por causa do papel higiênico.
Falei:
-A bunda dos comunistas não aguenta mais essa lixa.
O saudoso Clávio Valença ouviu, sorriu e não acreditou na afirmação do primo doidão.
Conclusão:
Acertei!!!!
O Muro caiu, logo após minha louca afirmação.
Cagada? Não!
Sou chegado ao uso de metáforas e por isso, não agrado a quem não se permite soltar a imaginação. Práticos, retilíneos, dogmáticos!
Sempre levei porrada de todos os lados.
Não, não tenha pena de mim. Já estou acostumado.
Na faculdade de Direito era tido como meio torto.
Doido.
Fui preso no DOPS e nunca vesti a camisa de herói.
Devo confessar que não fui torturado fisicamente, mas aquilo parecia coisa da ditadura do Diabo.
Não gosto do Super-Man.
Prefiro João Grilo.
Lampião para mim é uma metáfora.
O que existe por trás do Cangaço e da Justiça?
Malícia. Milícias.
- O Poder é irmão da policia que é prima carnal do Estado e de uma cega chamada Justiça...
Cega não, dissimulada. Tem um olhinho aberto, que por vezes, só enxerga os inimigos do donos do Poder e do cifrão $$$$$.
Morro de pena dos moradores do Morro.
Olha a previsão:
Um dia desses eu tive um sonho
Que havia começado a grande guerra entre o morro e a cidade,
E meu amigo Melodia era o comandante em chefe
Da primeira bateria lá do Morro de São Carlos.
Ele falava, eu entendia:
Você precisa escutar a rebeldia!
Pantera Negra, FM Rebeldia,
Transmitindo da Rocinha primeiro comunicado:
Por pão e circo e o poder da maioria,
O país bem poderia ter seu povo alimentado.
E era um sonho ao som de um samba tão aflito
Que eu quase não acredito, não queria acordar...
Profecia? Não.
Pensar livremente.
Escola, Saúde, Educação.
Eis a solução para diminuir a violência.
Cuidado com a Bancada da Bala!!!
Cuidado com o boato.
Eu era tido como drogado e nunca fumei um baseado.
Na Ditadura fui Censurado pelo Cenimar,
Continuei a compor e a me expressar.
Segui em frente sem Medo e sem Ódio.
Finalizando, minha doce e querida amiga, atente para isso:
O pré-sal que há pouco era ridicularizado, como inviável, hoje está sendo explorado pela Chevron, EUA
Sheel, Holandesa
Companhia Norueguesa e de outros países ...
Estranho, não é?
Você devia
deveria adivinhar
Que atrás do Samba havia o Semba
Que atrás do Semba havia a África
Que atrás de tudo havia o Açúcar
E a Companhia das Índias Ocidentais.
Primeira multinacional do Planeta.

Açucar é doce,
Doce, doce, doce
como mel
Doce, doce
Doce como o fel
Não acredite,
não tem mistério
O velho é novo
e o novo é velho
É como o Ovo e a Galinha
Se a culpa é nossa
A culpa é minha

Mas que nunca
é preciso DESCONFIAR
Eu desconfio no sentido estrito
Eu desconfio no sentido lato
Eu desconfio dos cabelos longos
Eu desconfio do Diabo a Quatro.

[Alceu Valença]

quarta-feira, 28 de março de 2018

Bilhete


Não me parecias frágil,
via-te doce.
Talvez fosses mesmo forte,
é preciso ser valente
pra decretar a própria morte.

Tinha-te por calmo.
Que rio obscuro e discreto
te puxava para o fundo,
sem saber nadar,
sem ninguém saber de nada?

Não deixaste uma carta,
um poema, um bilhete de suicida.
Como se quisesses dizer
que a morte
não deve explicações à vida



[SILVESTRIN, Ricardo. ]

segunda-feira, 26 de março de 2018

QUE FAZES AQUI?

Julgava que te tinha dito adeus,
um adeus contundente, ao deitar-me,
quando pude por fim fechar os olhos,
esquecer-me de ti, dessas argúcias,
dessa tua insistência, teu mau génio,
tua capacidade de anular-me.
Julgava que te tinha dito adeus
de todo e para sempre, mas acordo,
encontro-te de novo junto a mim,
dentro de mim, rodeias-me, a meu lado,
invades-me, afogas-me, diante
dos meus olhos, em frente à minha vida,
por sob a minha sombra, nas entranhas,
em cada golpe do meu sangue, entras
por meu nariz quando respiro, vês
pelas minhas pupilas, lanças fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora que faço?, como posso
desterrar-te de mim ou adaptar-me
a conviver contigo? Principie-se
por demonstrar maneiras impecáveis.
Bom dia, tristeza.

[Amalia Bautista, Trípticos Espanhóis]

terça-feira, 20 de março de 2018

Novos Poetas da Região Cacaueira (1982)

parte V

INFÂNCIA
As noites me assustavam muito quando
olhava os pântanos
e as árvores desfolhadas
desenhavam solidão

Depois aprendi
que a solidão
é o grande desafio
da presença.

[Nádia Filho - Ilhéus]

INVEJA
O demônio está com inveja
dos governos revolucionários
que se estabeleceram no mundo.
Ah, se esses governos
tivessem um poeta
como instrutor!
Ainda bem que o poeta 
é um torturado
não um torturador.

[Ruy Póvoas - Ilhéus]

Filho das trevas,

Não fites a luz
Ai de ti, se te elevas,
Tu apenas te elevas
Aos braços de uma cruz.
Filho das trevas!

Filho da noite,
A manhã não se afoite
Nunca, nunca se afoite.
Toda a esperança é vã,
Filho da noite!

[s.d. Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988.  - 185.]

domingo, 11 de março de 2018

fazes-me companhia?

O Funcionário Cansado - António Ramos Rosa

A noite trocou-me os sonhos 
e as mãos dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos, sumimos-nos,
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só

Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música

São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma noite só comprida
num quarto só.

sábado, 10 de março de 2018

Sabedoria de menina

A mãe, já cansada, ordena:
- Vá calçar os pés, menina!
A avó preocupada alerta:
- A doença entra pelos pés, minha filha.

A menina
Despreocupada, enraizada, desarrumada
Reflete sobre a convenção social que a desagrada
E se cala.
Não gosta de viver apertada, limitada
Escorregadia e bem vestida.

Pensava:
Bem vistas aquelas que sentem, puras, a vida.
Espaços vazios são preenchidos
com o excedente da minha mente.
Bagunçada, rabiscada e confusa.
Indisciplinada, agitada e obtusa.

Minha visão em degradê
vai além de dualidades.
Em multidão, mesclo e transformo
minha individualidade.


Selva de pedra

Queria poder viver isolada
Dentro do mato, vivendo do ato
Mas o destino me fez bicho do asfalto
Onde ganha primeiro quem fala mais alto
Anda ligeiro, não olha pro lado
O ser adestrado, agoniado
Alma mutilada num corpo sedado

Vivendo entre ratos humanizados
E humanos bitolados
Aglomerados em gaiolas sem cadeado
- paralisados -
Entre vagar em pensamentos rasos
E se desgastar em prazeres baratos
Sucumbem facilmente por alguns trocados
Vendem sua mentes, pagam o pato

Dentro do ato, vivendo do mato
Ah...
Eu produziria minha própria energia
Plantaria minha própria comida
Os prazeres mais simplórios, celebraria.
Viajaria através do vento
Me perderia pelo silêncio
Rupturas e renúncias trazendo renascimento

Na contramão, vivo no ódio sangrento
Absorvendo frutos fétidos e fetos podres
Crescidos nas cidades de enxofre
Desmatam, poluem, montam seus circos de horrores
Aumentam seus lucros, triplicam as dores
Não importa o lado, sigo oposição
Sociedade decaída
- moral falida, lógica genocida -
A caminho da extinção:
Que rufem os tambores!


~~ PORTO SUL NÃO ~~

Versos perversos

Meus versos são frutos perversos
E que não brotam do nada
Ao contrário dessa coisa tão falada
Da inspiração que vem do espaço etéreo

Eu contestando esse argumento antigo
Digo acordado e assim sonhando, estigo
Versos são frutos com sabores sérios
Insônia, solidão, ou descontentamento

Versos são quase como um testamento
Deixados por homens sombrios

[Lula Côrtes]

domingo, 4 de março de 2018

ANTOLOGIA

Felizmente existe o álcool na vida.
Uns tomam éter, outros, cocaína.
Eu tomo alegria!
Minha ternura dentuça é dissimulada.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Estou farto do lirismo comedido.
Como deve ser bom gostar de uma feia!
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã.
...os corpos se entendem, mas as almas não.
- Bendita morte, que é o fim de todos os milagres.

[Carlos Drummond de Andrade]

Meu caro amigo,

Tem que ter muita cachaça, fumaça e carinho pra aguentar esse rojão mesmo. Chico, a coisa não tá mais preta porque preto agora não é sinônimo de depreciação mas de aceitação. A mutreta é muita resistência pra levar a situação. O que eu quero lhe dizer é que a coisa toda tá difícil de suportar mesmo: um governo de oportunistas que corta minha educação, minha saúde, minha mobilidade; uma justiça que legitima a corrupção, que me bate, me revista e me rouba;  a depender de qual cor eu tenha, ela me mata; uma mídia que me engana; um povo que se limita, se violenta e se acomoda. Ainda bem que ao invés de surtar, invadir, contra-atacar, podemos seguir sem pensar. Ainda bem... ainda assim pelo bem de quem?



instável

instante
exato
do estado
mutável

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Na poça da rua
O vira-lata
Lambe a Lua.

[Millôr Fernandes]

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

descontextualizaram tudo e eu não tô entendendo nada...

"Representatividade importa'' onde? Nessa gestão política de merda que não representa ninguém? Ou na mídia reproduzindo que os pretos podem ser um obama ou uma beyoncé da vida, sendo que nunca serão? Sem políticas sociais suficientes, o destino mais coerente é continuarmos em empregos informais ou desvalorizados. Salário mínimo, terceiro mundo, criminalização. Querem levar as pautas negras pra novela, aumentar ibope com meras questões de aparência... nessa ditadura midiática, ninguém é e nem vai ser educado pela televisão, não, é só distração... talvez seja muito mais construtivo produzir, divulgar, apoiar formas independentes de mídia e levar isso pra dentro das periferias... teatro, sarau, rodas, oficinas... só evoluirmos com a valorização da cultura preta, com a propagação da contracultura que bate de frente com todo o racismo, machismo e discriminação que lucra com o nosso sofrimento. Porra, eu fico desacreditada quando vejo muitas pautas consideradas importantes no movimento não me representarem... fico, tipo, será q sou uma preta racista? é foda... priorize as prioridades, cumpadi...

Olho de Lince

Quem fala que sou esquisito, hermético,
É porque não dou sopa, estou sempre elétrico.
Nada que se aproxima, nada me é estranho:
Fulano, sicrano e beltrano;
Seja pedra, seja planta, seja bicho, seja humano...
Quando quero saber o que ocorre a minha volta
Ligo a tomada, abro a janela, escancaro a porta,
Experimento tudo. Nunca me iludo.
Quero crer no que vem por ao beco escuro...
Me iludo passando presente futuro.
Revir na palma da mão o dado
Presente futuro passado.
Tudo sentir de todas as maneiras
É a chave de ouro do meu jogo.
De minha mais alta razão.
Na sequência de diferentes naipes
Quem fala de mim tem paixão.

[Waly Salomão]

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A frescura - Álvaro de Campos

Ah, a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros,
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que’eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora...
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

[Pablo Neruda]

Primeira canção

O mistério de um não-encontro
tem desolados triunfos:
frases não-ditas,
palavras silenciadas,
olhares que não se cruzaram
nem souberam onde repousar -
só as lágrimas se alegram
por poderem livremente correr.
Um roseiral perto de Moscou
- ai meu Deus! - teve tanto a ver com tudo isso...
E a tudo isso chamaremos
de amor imortal.

[Anna Akhmatova]

A poesia nos fala à primeira vista, ou não fala nunca. Um estalo de revelação, um estalo de reação. Como um relâmpago. Como se apaixonar.

[Desonra, de J. M. Coetzee]
nossas diferenças nos segregam, mas não deveriam. não deveriam servir aos interesses de quem lucra com guerra e violência. pelo contrário, nossas particularidades deveriam ampliar nossa perspectiva sobre respeito e equidade, sobre o direito de ser quem é do jeito que for e ter espaço na sociedade a qual faz parte. deveriam ou não deveriam? eis a questão.
"Tá aí uma verdade sobre a liberdade. No horizonte europeu ela ganhou a qualidade liberal do espírito universal e burguês, enquanto nosso povo estava apenas resistindo à morte e à escravização. O sentido de vencer pro nosso povo nunca foi de vencer só, mas de vencer em um todo."

 - gabriel nascimento -

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

“É melhor morrer de Vodka do que morrer de tédio.”

E então, que quereis?
Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.


Garoto
Fui agraciado com o amor sem limites.
Mas, quando garoto,
a gente preocupada trabalhava
e eu escapava
para as margens do rio Rion
e vagava sem fazer nada.
Aborrecia-se minha mãe:
“Garoto danado!”
Meu pai me ameaçava com o cinturão.
Mas eu,
com três rublos falsos,
jogava com os soldados sob os muros.
Sem o peso da camisa,
sem o peso das botas,
de costas ou de barriga no chão,
torrava-me ao sol de Kutaís
até sentir pontadas no coração.
O sol se assombrava:
“Daquele tamaninho
e com um tal coração!
Vai partir-lhe a espinha!
Como, será que cabem
neste tico de gente
o rio,
o coração,
eu
e cem quilômetros de montanhas?”

O que aconteceu
Mais do que é permitido,
mais do que é preciso,
como um delírio de poeta
sobrecarregando o sonho:
a pelota do coração tornou-se enorme,
enorme o amor,
enorme o ódio.
Sob o fardo,
as pernas vão vacilantes.
Tu o sabes,
sou bem fornido,
entretanto me arrasto,
apêndice do coração,
vergando as espáduas gigantes.
Encho-me dum leite de versos
e, sem poder transbordar,
encho-me mais e mais.

[Maiakóvski]