terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Orange Poem & Ildegardo Rosa & Mateus Aleluia - Illusion's Wanderer



Para que direção corre o curso da vida?
Para cima, para baixo, para um lado, 
para o outro, para frente ou para trás? 
Ou corre para lugar nenhum? 
Então, observe apenas, 
não interrompa e nem interfira. 
Deixe-o simplesmente correr, 
não importa para onde. 
O que importa é estar nele, 
é ser ele mesmo, 
pois esse é o nosso destino, 
a nossa eterna condição. 
Não te arremesses no amanhã, 
no que desejas vir a ser, 
nem te agarres no passado, 
no que já foi e não voltará; 
são meras fugas e ilusões. 
O que tu tens de concreto e 
não importa o que te aconteças 
é este instante; 
não tentes escapar dele, 
viva-o com plenitude e coragem. 
Esgote-o! 
Ele é a tua única realidade, 
mesmo que nada seja real. 
Por que se agarrar à vida? 
Agarrar-se à vida é perdê-la. 
A vida é um processo. 
É um fluxo eterno. 
É um estar indo, não importa para onde, mesmo se for para lugar nenhum. 
Vá com a vida. 
Deixa de olhar para o teu umbigo 
como se fosse o centro do mundo. 
O teu destino pessoal não tens a mínima importância, 
pois tu és apenas um fenômeno passageiro 
e ilusório, uma emanação do que és, 
sempre foste, e sempre serás: 
a eterna existência. Desperta, homem! 
Aí então saberás que esta eternidade és tu
mesmo e tudo mais que existe. 
Não penses que o mundo gira em torno de ti! 
Quão pequenina e fugaz é a tua megalomania 
dentro da Natureza. 
Enquanto estiveres cheio das tuas coisas,
 tesouros, paixões, posses, desejos, sofrimentos, deuses e ilusões, 
enfim, do teu próprio ego que carregas em vão, tu estarás no NADA, 
no sem sentido, na ilusão. 
Corri como um louco em busca da felicidade 
e trouxe apenas as mãos vazias 
pendentes de ilusões. 
Caminhei então, devagar, 
em busca do meu próprio destino 
e hoje trago as mãos cheias 
carregadas de vida. 
Me aconteci, me manifestei, me existi. 
Sou um ser que está fora. 
Para fora estão os meus olhos que percebem as ilusões do mundo. 
De fora entra o ar que respiro e mantém o meu alento. 
Lá fora é que estão o céu e o inferno, os santos e os demônios, os que me envolvem de amor e os que me sufocam de tanto ódio. 
Como então posso retornar para dentro? 
Desde o princípio que nunca principiou, 
pois sempre foi, é e será, eu sou. 
Não há caminho a se percorrer, 
algum Deus a se buscar 
ou iluminação a se alcançar. 
Tudo já está pronto como sempre esteve.
 Apenas abra os olhos porque então o
 desmistério acontece, 
se revela o que era irrevelado, 
face à minha ignorância, 
minhas perdições, meus pecados, 
minhas ilusões! 
Desde o princípio eu sou. 
Porque não existe nem o dentro, nem o fora, 
apenas o ser aqui e agora. 
De que estão se busca sentido? 
Eu venho de lugar nenhum e vou para nenhum lugar. 
Agora deixarei o mistério acontecer por si mesmo 
e se auto desvelar a cada instante 
por toda a eternidade. 
Agora relaxarei profundamente 
e cessarei essa tentativa ansiosa, 
desesperada e sofrida de querer desvelar o mistério 
e tudo ser em vão. 
Agora viverei a vida que está presente 
e que a cada instante acontece e desacontece, 
não importando seu destino 
e sua razão de ser. 
Não olhes para o alto em busca de soluções 
porque o alto é apenas uma distância 
vazia e inexpressiva. 
Não olhes para a esquerda ou para a direita 
porque são apenas posições relativas. 
Não olhes para trás, pois apenas 
entortarás a cabeça em busca de um passado
 que não retorna jamais. 
Não olhes para frente, pois seguirás em vão 
tua estrada sem rumo e sem destino 
que te conduzirás à morte. 
Olhe então para dentro de ti, 
pois ai estará a solução. 
De que? Só tu saberás! 
Eu sei (ou quase sei) que estou lá ou aqui 
– pouco importa. O mundo é uma ilusão. 

Letra formada por trechos de 14 poemas de Ildegardo Rosa, produzidos em 1957, 1958, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998. Melodia composta por Emmanuel Mirdad em 17/07/2002

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Nostalgia Cinza

Final de tarde, o tom rosa alaranjado colore o céu. Na varanda, seu Antônio, ou só Tonho para os mais chegados, prepara e fuma seu cigarro de tabaco e nostalgia. Lembrou dos sonhos que marcariam pra sempre sua vida mas que nunca se realizariam. Percebeu que não foi mais triste por isso, nem menos feliz. Talvez fosse triste reconhecer o quanto estamos controlados e limitados e por isso não conseguimos alcançar os objetivos mais íntimos, por serem imorais, proibidos ou caros demais. Mas foram anos muito bem vividos. É possível se moldar a novos gostos, mais reservados e aceitos. É possível ser feliz tendo o que não havia sido desejado, mas que foi acolhido de muito bem grado. Percebeu coisas que outrora consideradas importantes, não eram tão importantes assim e como as nossas prioridades mudam, gostos, opiniões e afins... Amou outras mulheres lindas, inteligentes e meigas, que não eram o amor da sua vida. Sonhou com paraquedismo, mas jogou futebol na praia todos os domingos, que não era seu esporte preferido nem tão desafiador e emocionante quanto, mas fez vários amigos. Seu maior desafio foi viver sem frustrações com o que tinha conseguido e tomado de emoções pelo caminho percorrido. Enquanto a fumaça se dissipa por sua silhueta, sentiu saudades do que viveu e do que também não aconteceu. Era tudo tão parte dele, como o sangue correndo nas veias e os desejos escoando de sua alma, que o faziam mais maduro e vívido. Sem esperar muito e se esforçando mais ainda, sua felicidade era o alto nível de satisfação que conseguira. Ele sabia, sua rotina de fumante já havia lhe ensinado: contentamento ou sofrimento, no fim só restam as cinzas.

finais felizes que não tive #1 

Peço Silêncio

AGORA me deixem tranquilo.
Agora se acostumem sem mim.
Eu vou cerrar os meus olhos.
Somente quero cinco coisas,
cinco raízes preferidas.
Uma é o amor sem fim.
A segunda é ver o outono.
Não posso ser sem que as folhas
voem e voltem à terra.
O terceiro é o grave inverno,
a chuva que amei, a carícia
de fogo no frio silvestre.
Em quarto lugar o verão
redondo como uma melancia.
A quinta coisa são teus olhos,
Matilde minha, bem-amada,
não quero dormir sem teus olhos,
não quero ser sem que me olhes:
eu mudo a primavera
para que me sigas olhando.
Amigos, isso é quanto quero.
É quase nada e quase tudo.
Agora se querem, podem ir.
Vivi tanto que um dia
terão de por força me esquecer,
apagando-me do quadro negro:
Meu coração foi interminável.
Porém, por que peço silêncio
não creiam que vou morrer:
passa comigo o contrário:
sucede que vou viver.
Sucede que sou e que sigo.
Não será, pois lá bem dentro
de mim crescerão cereais,
primeiro os grãos que rompem
a terra para ver a luz,
porém, a mãe-terra é escura:
e dentro de mim sou escuro:
sou como um poço em cujas águas
a noite deixa suas estrelas
e segue sozinha pelo campo.
Sucede que tanto vivi
que quero viver outro tanto.
Nunca me senti tão sonoro,
nunca tive tantos beijos.
Agora, como sempre, é cedo.
Voa a luz com suas abelhas.
Me deixem só com o dia.
Peço licença para nascer.

+ Cruz e Sousa 

O amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda a parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

[Carlos Drummond de Andrade]

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

"A metade de sua beleza era sua estranha maneira de pensar."

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Tudo é vago e muito vário,
Meu destino não tem siso,
O que eu quero não tem preço,
Ter um preço é necessário
E nada disso é preciso.

[Leminski]

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Mais uma de solidão

As esperanças de muitos
São as primeiras que morrem
Esmagadas, pisoteadas
Para que outros, poucos
Consigam um momento de satisfação.

Meus sonhos, meus projetos
Vívidos, sobrevivem a mercê
De uma sociedade que só me quer
Subjulgada, castrada e fragilizada.
Assim perco a motivação.

A encenar no cárcere do ser
Poucos fingem se importar.
Muitos se escondem de si
Em si mesmos, ficando a esmo.
Estamos solitários em aglomeração.

Acrobata da dor

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta...

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! reteza os músculos, reteza
nessas macabras piruetas d'aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.


[Cruz e Sousa - 1893]

sábado, 1 de dezembro de 2018

Julgamento

Não julgues…
Habitas num recanto mínimo desta terra.
Os teus olhos chegam
Até onde alcançam muito pouco…
Ao pouco que ouves
Acrescentas a tua própria voz.
Mantém o bem e o mal, o branco e o negro,
Cuidadosamente separados.
Em vão traças uma linha
Para estabelecer um limite.

Se houver uma melodia escondida no teu interior,
Desperta-a quando percorreres o caminho.
Na canção não há argumento,
Nem o apelo do trabalho…
A quem lhe agradar responderá,
A quem lhe agradar não ficará impassível.
Que importa que uns homens sejam bons
E outros não o sejam?
São viajantes do mesmo caminho.
Não julgues,
Ah, o tempo voa
E toda a discussão é inútil.

Olha, as flores florescem à beira do bosque,
Trazendo uma mensagem do céu,
Porque é um amigo da terra;
Com as chuvas de Julho
A erva inunda a terra de verde,
E enche a sua taça até à borda.
Esquecendo a identidade,
Enche o teu coração de simples alegria.
Viajante,
Disperso ao longo do caminho,
O tesouro amontoa-se à medida que caminhas.

Rabindranath Tagore
Tradução de José Agostinho Baptista

Apelo

Porque
não vens agora, que te quero
E adias esta urgência?
Prometes-me o futuro e eu desespero
O futuro é o disfarce da impotência.

Hoje, aqui, já, neste momento,
Ou nunca mais.
A sombra do alento é o desalento
O desejo o limite dos mortais.

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Conquista
Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!

- Miguel Torga

Ronda

De noite eu rondo a cidade
A te procurar sem encontrar.
No meio de olhares espio,
Em todos os bares
Você não está…

Volto pra casa abatida,
Desencantada da vida.
O sonho alegria me dá:
Nele você está…

Ah, se eu tivesse
Quem bem me quisesse,
Esse alguém me diria:
“Desiste, esta busca é inútil”.
Eu não desistia…

Porém, com perfeita paciência
Volto a te buscar.
Hei de encontrar
Bebendo com outras mulheres,
Rolando um dadinho,
Jogando bilhar…

E neste dia, então,
Vai dar na primeira edição:
Cena de sangue num bar
Da Avenida São João.

- Paulo Vanzolini