sábado, 23 de dezembro de 2017

De mim, de nós, do nada - Marsa

Santa, profana, de quem és?
Abre a cabeça
e finca os pés

Na imensidão,
no vão,
na alma

Brota do são,
é tão
que acalma

Tanto palavras, quanto sons
São quantas cores?
Quantos tons?

Partem de mim,
de nós,
do nada

Partem de mim,
de nós,
do nada.



online

manda nudes e poesia
a beleza do corpo
com a alma despida.
o lado que irradia
e a parte sombria.
por que se intimida
com o cru da vida?

Sangrando - Gonzaguinha

Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
Que palavra por palavra
Eis aqui uma pessoa se entregando

Coração na boca, peito aberto
Vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida
Que eu estou cantando

Quando eu abrir minha garganta
Essa força tanta
Tudo que você ouvir
Esteja certa que estarei vivendo

Veja o brilho dos meus olhos
E o tremor nas minhas mãos
E o meu corpo tão suado
Transbordando toda a raça e emoção

E se eu chorar
E o sal molhar o meu sorriso
Não se espante, cante
Que o teu canto é a minha força
Pra cantar

Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
É apenas o meu jeito de viver
O que é amar

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Do CANTO III

72
Não vivo por mim mesmo. Sou só um
Elo do que me cerca, mas se a altura
Das montanhas enleva-me, o zum-zum
Das cidades humanas me tortura.
A criação só errou na criatura
Presa à carne, onde paro, relutante,
Buscando, libertada a alma pura,
Mesclar-me ao céu, aos montes, ao ondeante
Plaino do oceano, às estrelas, e ir adiante.

113
O mundo eu não o amei, nem ele a mim;
Não bajulei seu ar vicioso, nem dobrei
Aos seus idólatras o joelho do sim. –
Meu rosto não abriu risos ao rei
Nem repetiu ecos; a turba, eu sei,
Não me inclui entre os seus. Vivi ao lado
Deles, porém sem ser da sua grei;
E à mortalha da sua mente atado
Estaria se não me houvesse precatado.

114
O mundo eu não amei, nem ele a mim –
Bons inimigos, vamos sem rancor.
Não as achei, mas creio que há, enfim,
Palavras que são coisas, vi a cor
Da esperança e cheguei mesmo a supor
Virtudes sem perjúrio ou falsidade;
Nos prantos dos demais vislumbro dor
Em dois ou três, e penso, de verdade,
Que o bem pode existir e assim felicidade.

– Lord Byron
"Tudo se finge, primeiro; 
germina autêntico é depois."
“Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espetáculo que posso. Assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, palco falso, cenário antigo, sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas — visíveis.”

[Bernardo Soares (Fernando Pessoa) 
do “Livro do Desassossego”.
Lisboa: Tinta da China, 2014.]
"prefiro sonhar na verdade, que amar na mentira"

drástica decisão


dentro da minha solidão,
penso em cada sofrimento do mundo,
lembro de como tudo é imundo,
privações, obrigações, poços sem fundo.

consciente da minha posição,
de colecionadora de dores
e inquisidora de malfeitores,
pereço entre flores.

mas me apego a uma vã ilusão
de merecido renascimento.
ora alento, ora tormento,
conhecimento é amadurecimento.

e então calculo a suposição:
ainda que depressiva e doa a cicatriz,
ainda que aflita entre seres hostis,
só o que me resta é ser feliz.



terça-feira, 19 de dezembro de 2017

ARTE É ILUSÃO, POIS EU NÃO AJO


Fico ou Parto – com constante alegria
Meus pensamentos, embora céticos, são sagrados
Santa prece para o conhecimento ou puro fato.

Então enceno a esperança de que posso criar
Um mundo vivo em torno de meus olhos mortais
Um triste paraíso é o que imito
E anjos caídos cujas asas perdidas são suspiros.

Neste estado não mundano em que me movimento
Minha Fe e Esperança são diabólica moeda corrente
Em mundos falsificados, cunho pequenos donativos
Em torno de mim, e troco minha alma por amor.

[Allen Ginsberg]

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

manda quem tem dinheiro, obedece quem tem medo.
aos fortes, corote e molotov.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

para refletir:

dez frases que foram inventadas - supostamente tiradas de um livro de auto-ajuda - que dizemos ser de um autor pseudo-fodão que todo mundo conhece só de nome.
"Quero falar sobre tudo com pelo menos uma pessoa enquanto falo sobre essas coisas comigo mesmo."

domingo, 10 de dezembro de 2017

Ao Luar (Augusto dos Anjos)

Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…

Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!


sábado, 9 de dezembro de 2017

Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…

[Florbela Espanca]

- me dê um gole de vida

eu preciso urgentemente
que algo drasticamente aconteça.
diferentes de imposições mornas,
preciso de algo que me impulsione a queimar.
me sinto amena, mas não serena.
vazio angustiante
na sua forma degradante mais sutil.
invento o amor, me apego a dor
na esperança vã
de uma euforia efêmera.
agonia.
pra onde foram os apaixonados?
aqueles loucos desvairados
que se doam, por nada, de bom grado.
ardentes e impetuosos.
aflitos e utópicos.
me façam rir, me façam chorar,
me façam explodir!
eu lhes suplico
o gozo
ou o desgosto,
só não me deixem aqui,
a contragosto, no tédio.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Provérbios do Inferno

No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta. 

Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos. 

A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria. 

A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência. 

Quem deseja, mas não age, gera a pestilência. 

O verme partido perdoa ao arado. 

Mergulha no rio quem gosta de água. 

O tolo não vê a mesma árvore que o sábio. 

Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela. 

A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo. 

A abelha atarefada não tem tempo para tristezas. 

As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria. 

Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes. 

Torna do número, do peso e da medida em ano de escassez. 

Nenhum pássaro se eleva muito, se se eleva com as próprias asas. 

Um cadáver não vinga as injúrias. 

O ato mais sublime é colocar outro diante de ti. 

Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando Sábio. 

A loucura é o manto da velhacaria. 

O manto do orgulho é a vergonha. 

As Prisões se constróem com as pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião. 

O orgulho do pavão é a glória de Deus. 

A luxúria do bode é a glória de Deus. 

A fúria do leão é a sabedoria de Deus.

A nudez da mulher é a obra de Deus. 

O excesso de tristeza ri; o excesso de alegria chora. 

O rugir de leões, o uivar dos lobos, o furor do mar tempestuoso e da espada destruidora são fragmentos de eternidade grandes demais para os olhos humanos.

A raposa condena a armadilha, não a si própria. 

Os júbilos fecundam. As tristezas geram. 

Que o homem use a pele do leão; a mulher a lã da ovelha. 
O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade. 

O sorridente tolo egoísta e o melancólico tolo carrancudo serão ambos julgados sábios para que sejam flagelos. 

O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado. 

A ratazana, o camundongo, a raposa, o coelho olham as raízes; 
o leão, o tigre, o cavalo, o elefante olham os frutos. 

A cisterna contém; a fonte derrama. 

Um só pensamento preenche a imensidão. 

Dizei sempre o que pensas, e o homem torpe te evitará. 

Tudo o que se pode acreditar já é uma imagem da verdade. 

A águia nunca perdeu tanto o seu tempo como quando resolveu aprender com a gralha. 

A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão. 

De manhã, pensa; ao meio-dia, age; no entardecer, come; de noite, dorme. 

Quem permitiu que dele te aproveitasses, esse te conhece. 

Assim como o arado vai atrás de palavras, assim Deus recompensa orações. 

Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da educação. 

Da água estagnada espera veneno. 

Nunca se sabe o que é suficiente até que se saiba o que é mais que suficiente.

Ouve a reprovação do tolo! É um elogio soberano! 

Os olhos, de fogo; as narinas, de ar; a boca, de água; a barba, de terra. 

O fraco na coragem é forte na esperteza. 

A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão, ao cavalo, como apanhar sua presa. 

Ao receber, o solo grato produz abundante colheita. 

Se os outros não fossem tolos, nós teríamos que ser. 

A essência do doce prazer jamais pode ser maculada. 

Ao veres uma Águia, vês uma parcela da Genialidade. Levanta a cabeça! 

Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para deitar seus ovos, assim o sacerdote lança sua maldição sobre as alegrias mais belas. 

Criar uma florzinha é o labor de séculos. 

A maldição aperta. A benção afrouxa. 

O melhor vinho é o mais velho; a melhor água, a mais nova. 

Orações não aram! Louvores não colhem! Júbilos não riem! Tristezas não choram! 

A cabeça, o Sublime; o coração, o Sentimento; os genitais, a Beleza; as mãos e os pés, a Proporção. 

Como o ar para o pássaro ou o mar para o peixe, assim é o desprezo para o desprezível. 

A gralha gostaria que tudo fosse preto; a coruja, que tudo fosse branco. 

A Exuberância é a Beleza. 

Se o leão fosse aconselhado pela raposa, seria ardiloso. 

O Progresso constrói estradas retas; mas as estradas tortuosas, sem o Progresso, são estradas da Genialidade. 

Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos. 

Onde o homem não está a natureza é estéril. 

A verdade nunca pode ser dita de modo a ser compreendida sem ser acreditada. 

É suficiente! ou Basta.

[William Blake]

domingo, 3 de dezembro de 2017

“A Goeldi”

De uma cidade vulturina vieste a nós,
trazendo o ar de suas avenidas de assombro
onde os vagabundos peixes esqueletos rodopiam
ou se postam em frente a casas inabitáveis
mas entupidas de tua coleção de segredos,
ó Goeldi: pesquisador da noite moral sob a noite física.

 Ainda não desembarcaste de todo
e não desembarcarás nunca.
Exílio e memória porejam das madeiras
em que inflexivelmente penetras para extrair
o vitríolo das criaturas
condenadas ao mundo.

És metade sombra ou todo sombra?
 Tuas relações com a luz como se tecem?
Amarias talvez, preto no preto,
fixar um novo sol, noturno; e denuncias
as diferentes espécies de treva
em que os objetos se elaboram:
a treva do entardecer e a da manhã;
a erosão do tempo no silêncio;
a irrealidade do real.

Estás sempre inspecionando
as nuvens e a direção dos ciclones.
Céu nublado, chuva incessante, atmosfera de chumbo
são elementos de teu reino
onde a morte de guarda-chuva
comanda
poças de solidão, entre urubus.

Tão solitário, Goeldi! Mas pressinto
no glauco reflexo furtivo
que lambe a canoa de seu pescador
e na tarja sanguínea a irromper, escândalo, de teus negrumes
uma dádiva de ti à vida.

Não sinistra,
mas violenta
e meiga,
destas cores compõe-se a rosa em teu louvor.

[Carlos Drummond de Andrade]

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

'Advogados, médicos, bombeiros mecânicos, eles é que ficavam com a grana toda. Escritores? Os escritores morriam de fome. Os escritores se suicidavam. Os escritores enlouqueciam."

[b u k o w s k i ]