quarta-feira, 20 de junho de 2018

Eu amei-te...

Eu amei-te; mesmo agora devo confessar,
Algumas brasas desse amor ainda estão a arder;
Mas não deixes que isso te faça sofrer,
Não quero que nada te possa inquietar.
O meu amor por ti era desesperado,
Tímido, por vezes, e ciumento por fim.
Tão terna, tão sinceramente te amei,
Que peço a Deus que outro te ame assim.

[Aleksandr Púshkin]

da série: preciso lembrar do autor

"A maioria dos homens e mulheres, por nascimento ou natureza, 
não tem os meios para progredir na riqueza e no poder; 
mas todos tem a capacidade de progredir no conhecimento."

domingo, 17 de junho de 2018

Eu sim, separo a obra do autor.

Apesar de ser necessário e até interessante saber o verdadeiro autor e o contexto histórico de determinada obra, não me importa muito esse tipo de informação. No subjetivo mundo do lirismo, prefiro a compreensão do que a explicação. A interpretação do fato ou do feito, a partir da sua visão de mundo. Não a lógica prevista das coisas, mas a retórica indefinida do ser.

Do poder hipócrita

a François duc de la Rochefoucauld


O pé tem a ver com o pontapé e com o balé.

A mão tem a ver com o afago e com a agressão.

A boca tem a ver com o beijo e com o vitupério.

Assim como a saliva tem a ver com o gosto e com o escarro.

E o riso com o gozo e com o escárnio.

Ambos a se opor. Não há como ser um, se o outro for.

Razão direita e relação causal. Para o bem e para o mal.

Mas afinal, o que a Justiça tem a ver com a justiça?

A Igreja tem a ver com a fé? A métrica tem a ver com a poesia?

O rito tem a ver com o ato? Estelionato.

Quando não a sua negação, quanto têm de simulação?

A forma que deforma o sentido e oculta interesses inconfessados.

A farsa como o disfarce que autoriza a mentira socialmente consentida.

Quando não o seu oposto dissimulado pela capa do ilusionista?

O exercício do poder hipócrita na lei escrita. Lei que é para todos?

Palavras homógrafas, mas cognatos enganosos.

[ não consegui identificar o(a) autor(a), mas tá nesse link aí:
https://concertosgerais.wordpress.com/poesia-3/ ]

covil

o mundo
não se acabou,
mas o amor
ninguém viu,
quem sentiu
se escondeu.
a lágrima
que escorreu
se enxugou.
o sorriso
que se abriu
- assustado -
se fechou.
e assim
se seguiu
o destino vil
da humanidade,
temerosa, venenosa
e hostil.



quarta-feira, 13 de junho de 2018

Depressão Metafórica

Tesão extasiante por pessoas melancólicas.
Atração intensa por coisas mórbidas.
Amor nos tempos de cólera.
 
"Ninguém tem ombro pra suportar sozinho o peso de existir." 

[Mia Couto]

Liberta

Tentando prender o amor,
Quando conseguia alcançá-lo.
E sufocando-o,
Quando não queria externalizá-lo.

Sempre foi um fardo,
Agora senti que eu sentia errado,
De tantos relacionamentos equivocados
Precisei me desintoxicar.
Paixões rasas em ilusões baratas.

É melhor quando me livro
De confusas conclusões,
Suposições e precipitações.

É melhor quando livre,
Podendo assim me adaptar
Aos restos e gostos,
Sentimentos e rostos.





terça-feira, 12 de junho de 2018

Aceitarás o amor como eu o encaro?...

[...]

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.

[Mário de Andrade]

Ela vai dançar - Eddie

Olha só essa menina que balança, olha só...
Olha só, ela vai dançar a noite inteira
Ela vai cantar todas as músicas
Pra desfazer...
Pra desfazer a dor e refazê-la.

Quando a nossa flor se abrir inteira
Quando a nossa cor era vermelha
Pra se fazer do amor a vida inteira
E a vida inteira, amor, satisfazê-la.

Olha só essa menina que balança e dança
Olha só.
Olha só, ela vai dançar a noite inteira
Ela vai cantar todas as músicas
Pra desfazer... (Dor, amor)
Pra desfazer a dor e refazê-la.

Quando a nossa flor se abrir inteira
Quando a nossa cor era vermelha
Pra se fazer do amor da vida inteira
(Dor, amor)
E na vida inteira, amor, satisfazê-la.

Pra desfazer e refazê-la,
Satisfazendo a dor
Da quarta-feira.

Seu rapaz não lhe procura mais...
Seu rapaz não lhe procura mais...

quinta-feira, 7 de junho de 2018

A DISFUNÇÃO

Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso de
a menos
Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso
trocado do que a menos.
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa
disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica.

1 - Aceitação da inércia para dar movimento às palavras.
2 - Vocação para explorar os mistérios irracionais.
3 . Percepção de contiguidades anómalas entre
verbos e substantivos.
4 - Gostar de fazer casamentos incestuosos entre
palavras.
5 - Amor por seres desimportantes tanto como pelas
coisas desimportantes.
6 - Mania de dar formato de canto às asperezas de
uma pedra.
7 - Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais
importância aos passarinhos do que aos senadores.

[Manoel de Barros 
em Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo, 2001]

Facebook Love

Meu amor: sempre que entro no facebook
lembro-me de ti
e no entanto
eu sei
que digo coisas muito incompreensíveis
e não sou deste tempo.

Estou sozinho na frente deste écran onde alguém
comentou a tua última fotografia e não consigo
lembrar-me de uma frase normal e simpática
sozinho
apesar de hoje fazer um ano que nos conhecemos.
Não te culpo por não estarmos juntos neste momento
porque sei que a culpa não é tua, que vives noutra cidade
e que nem sequer o dinheiro sobra (apenas as saudades).

Escolhi um caminho errado para a minha vida,
porque todos os caminhos certos me pareceram
ainda mais errados. Assim, fiz tudo o que tinha que fazer,
ou seja, pensei e senti. Não preciso que compreendam as
minhas ideias mas do ser humano ocasional espero ainda
um pedaço de tempo para uma conversa sem pressas,
uma vez por mês, com um café ao alcance da mão.
À janela do estabelecimento, espreitando sempre,
há os pais dos outros e os filhos dos outros
e as casas
e contra ou a favor da história natural eu posso
nada.

Talvez viaje no próximo mês e a distância se
altere. Apetecia-me ir a pé de uma cidade a outra,
como dantes faziam os artistas e outras pessoas normais;
mas nas estradas grandes é proibido andar a pé e os
caminhos pequenos agora servem para amontoar
os habitantes da cidade que não encontraram ninguém
a quem entregar o seu amor. Enquanto decido,
a tua ausência sempre me vai fazendo alguma companhia.

Por favor cuida de ti,
tem cuidado a atravessar as ruas:

Deves saber que nunca tratei bem os mortos.

[Rui Costa em Mike Tyson Para Principiantes
antologia poética, ed. Assírio & Alvim]

sábado, 2 de junho de 2018

muito dificil, para mim, contrariar a essência

“Se uma planta não consegue viver de acordo com sua natureza, ela morre, assim também um homem.”

[Henry David Thoreau em Desobediência Civil]