segunda-feira, 29 de agosto de 2016

provaremos as ilhas e o mar

sei que em alguma noite

em algum quarto
logo
meus dedos abrirão
caminho
através
de cabelos limpos e
macios

canções como as que nenhuma rádio
toca

toda a tristeza, escarnecendo
em correnteza.


li Bukowski, pensei em Ribas.  

Mormaço

Promessas do descaso:
Uma educação que não me prepara para a vida,
Informações inúteis para o meu dia-a-dia,
Um governo que não se dá ao trabalho
de se preocupar com seus governados.
Vivem no consumo exagerado, desavisados
Só percebem o mal quando já foi feito o estrago.

do progresso ao atraso:
Plantar árvore faz nascer agua, disso eu não sabia
A tv que me faz de bobo da corte todo santo dia
Entre verdades covardes e mentiras, põe a culpa no clima;
Esconde os grandes empresários desmatando,
Sonega  as grandes empresas desperdiçando
Os recursos que em nossas casas estão faltando.

súplica ao acaso:
Tomando banho de água salgada no chuveiro
Quando cai água é correria o dia inteiro
Sobe, olha o tanque, doloroso vazio
Desce, bate bomba, esperança sem fastio
Será que o céu não se comove?
A dúvida assusta, nessa lógica injusta,

dia lindo é quando chove.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Ítalo Calvino em As Cidades Invisíveis

- O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço. 

às vezes fico pensando...

a violência me faz meditar
entrar no profundo eu
percebendo as coisas a me circular
e a maneira como estão organizadas
e então encontrar outra maneira
de desorganizá-las

enquanto a passividade me revolta
observo a falta de ação do nós
facilmente corruptíveis
minimamente satisfeitos
comumente acomodados
reféns do destino que outros escolheram

me preocupa estarmos ocupados
com futilidades
me ocupa estar preocupada
em achar soluções
ansiosa para que o novo venha logo
desejando um salto de evolução
em cada indivíduo
buscando a revolução social
para o bem estar geral

pergunto aos astros, à lógica
aos pensadores antigos
porque é fácil pra mim perceber a tudo isso
e dificil a todos eles refletirem sobre isso
deixando o velho pra trás
por que perder tempo tentando melhorar
algo que já experimentamos não ser bom
nem fácil de mudar?

a resposta vem sendo mostrada aos poucos
pessoas se distanciando da sociedade
em valores e princípios e verdades
em vilas e comunidades sustentáveis
usando o melhor da sapi-ciência
para o bem maior da existência


quarta-feira, 24 de agosto de 2016

pelo direito de ser um deus. esse direito agora é meu.


Somos a parte do universo que se tornou consciente de si mesma. Não sei se é a verdade, mas é uma verdade que uso para me engrandecer, para me orgulhar e não me entregar.

Me entregar a quê?
A essa insanidade lúcida que é a sociedade: acordar cedo pra ficar dez horas trabalhando, ter uma vida mediocremente confortável sem reclamar, ou até reclamando, mas sem fazer nada a respeito.
Ou a essa lucidez insana que é estar desajustado e até conseguir lutar contra o preconceito, contra o pensamento e comportamento padrão, mas se sentir perdido a ponto de não mais suportar esse fardo e se jogar em tentação.

Porque outra verdade que tomo como minha é que se você olha para o abismo, ele olha direto pra você. E esse convite de voltar ao nada é tão tentador como o de ser o tudo. E apesar de ter esses pensamento obsessivos, de estar em constante flerte com a morte e me considerar uma suicida em potencial, nunca cheguei perto de tentar nada.

Por orgulho.
Gosto tanto de pensar que sou dona de mim mesma, que, por saber que as maiorias das decisões da minha vida não dependem de mim, mas de outros que nem sabem da minha existência, me sinto um tanto aliviada por só eu mesma controlar minha mente.
E tudo que se torna nocivo a mim, eu os culpo. Se tenho essa vontade mortal, é culpa deles. E por causa deles, eu não vou sucumbir, não. Através deles que eu vou expandir. Usando-os para evoluir.

Chego a pensar que o suicídio é um luxo, vaidade. Coisas que não tenho. Pessoas dependem de mim. São nessas pessoas que penso quando não sei mais o que pensar.
Os pensamentos ruins, meus monstros internos sempre me acompanharão, eu sei, mas nunca tomarão a frente de controle. nunca. Me usem. me estuprem. me espanquem; mas só me derrubarão se eu me deixar ser derrubada.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Slam #1

Antiquados

Por uma injustiça histórica,
o negro foi escravizado, animalizado
"Raça inferior e amaldiçoada"
Argumentos de uma religião controlada
E de uma ciência privatizada
Era colonial, racismo atemporal, fruto do capital
Para alguns lucrarem, muitos devem ir mal
Branco europeu pra cá veio explorar
Negro africano, coagido, veio de lá
Marginalizado, sem política social
Morrendo nas periferias, como se fosse banal
Sem escola, nem universidade
Sem bons empregos... nenhuma novidade
Racista se diz superior, pensamento alienado
Na real, preto é só uma cor, mas traduz a dor
De quem precisa ser explorado, condenado
Pros senhores continuarem no pecado
Do consumo exagerado e do ócio privador

Dinheiro manchado de sangue
pra suprir comodidades
O ouro reluz, seduz, mas não se engane,
quanto maior a riqueza, maior a crueldade
Um sistema que me impõe conceitos ultrapassados
Me quer condenada ao antiquado
Um passado que não passou,
pelos grandes burgueses se instalou
Nas mentes pequenas de quem se acomodou
A PM que só violenta preto e pobre:
Esse alto índice de morte é fascismo
Irmãos sofrendo nas mãos do racismo
Meu campo de batalha é a rua
Sou mulher, negra, periférica, essa é a minha luta
A polícia quer me coagir, o Estado, me punir 
E a mídia quer me confundir
mas sou dona de mim,me livrei do mercado
Não tenho preço, meu prazer não é pecado
Longe de esteriótipos, não sou santa nem puta
Pensamento limitador não condiz com minha conduta
De consciência tranquila, alma leve, continuo atuando
Corpo fechado, mente aberta, sexo pulsando
Não vou me deixar escravizar, tampouco me padronizar
Pela ditadura estética que só quer me clarear
Orgulho de África, aceito minha raiz
Levanto a cabeça, não vou sucumbir
Viver e não ter a vergonha de ser feliz...





sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A Flor e a Náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas, 
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre.
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.




Carlos Drummond de Andrade