quinta-feira, 27 de agosto de 2020

feita de instantes

a paixão que outrora fora avassaladora
a mágoa presa na garganta do que se foi
a saudade antiga do que ainda não se viveu

o silêncio agudo que me atravessou o peito
o grito mudo do que ficou por dizer
o pensamento ínfimo que me acalmou

o novo sentimento sob velhas auroras
o clima ameno depois que o sol se pôs
o horizonte em raios de luz que resiste ao breu

a culpa honrosa que julga defeitos
a fala misericordiosa que veio acolher
o beck aceso na roda que me iluminou

a ideia mirabolante que surgiu
uma nova ideia que me fez esquecer
da dor, da anterior, da flor

o delírio em que eu estava entretida
o devaneio que me fizera perder o ponto
o ponto em que eu ia descer do ônibus

passou.

3 500 km/h

imagino uma paisagem qualquer
- dizem que - bela, mas sobretudo, calma
há árvores que brilham sob a luz do sol
há uma brisa que fazem suas folhas dançarem
ao som do vento escuto amenidades
gostaria de viver isenta pela eternidade
o céu azul claro com poucas nuvens
o dia claro e apesar disso faz frio,
gosto de dias assim, me sinto bem

e sinto um vazio...

de repente, como uma bala perdida
imagens atravessam minha mente
autoridades máximas do meu país
brancos bebem seus copos de leite
pretos sucumbem em seus corpos inertes
como alvos ou massa de manobra no front
guerras repetidas, palavras pertinentes
histórias cruéis de sofrimentos vãos
pelo bem maior do ego, podres poderes

e eu com isso?

é que não consigo ser omissa
é que não me misturo com covardes
que de longe acenam e fingem não ver,
que de perto encenam seu ouro de tolo
tento não me envolver, mas sempre me sujo
sangro o mesmo sangue, me dói a mesma dor
sei que não é fácil, me inspira à coragem
eis a verdade que é minha e a protejo.
e assim mudo rapidamente de desejo,

insubmisso.

POEMA QUE ACONTECEU

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.



POR MUITO TEMPO ACHEI QUE A AUSÊNCIA É FALTA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.



MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.



POEMA

É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.



O SEU SANTO NOME

Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.



TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.



SEGREDO

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.



ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU

Além da terra, além do céu
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastros dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar
o verbo pluriamar,
razão de ser e viver.

++ Carlos Drummond de Andrade

expressionista invendável

me disseram artista,
poeta revoltada,
incomodada às injustiças.
para a desordem relativística,
ofereço insubordinação lírica.

mas de conceitos sempre fugi,
pois sendo grande, não vou
apequenar para me definir
e sendo insuficiente,
não me cabe persuadir.

inerente ao meu ser
- que vê e ainda não crê -
sobem à superfície espectros
do que sou e do que quero.
me ponho a escrever

nobres sentimentos
em pobres métricas.
desinteressada em vender ética
para suprir demandas estéticas,
sigo estéril e indigesta.

arte como expressão:
não há mercado
nem público-alvo,
fragmentos de sucesso
ou fracasso são todos vãos.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Tamanduaí

Guardo minhas descobertas para mim
Não as grandes, que podem vir a ser úteis em grande escala
Mas as pequenas, de toque singelo
Um poema erótico ou um animal exótico
Os outros parecem não dar a mesma importância
Eu não daria, não sentiria
Mesmo ao meu lado, a distância compreende quilômetros
Cada um, uma forma de sentir, de pensar, de usufruir
Do momento que mesmo repetitivo há algo q o torna único
E talvez eu não precise de fato compartilhá-lo
Contemplar a descoberta, entre o espanto e o encanto
No meu canto
Não devo me expor de modo a tal
Me prender a uma situação chata por seu caráter de insistência
Insistência gera desgaste
Com desgaste há o embate
Sem compreensão
Falsa absorção
Prefiro só me acarinhar só
Gozar da minha companhia
Agonia, carícias, pranto
Eis a solidão em canto.

"Não se pode falar de democracia onde a cada 23 min um jovem negro é morto, onde não estão incluídas as mulheres negras, lésbicas, pobres. A democracia do futuro não pode ser a democracia de satisfação do mercado. A acumulação capitalista necessita que compremos e gastemos, vendem mentiras até que te tiram o último dinheiro. Essa é a nossa cultura e a única saída é a contracultura. Sem mudar a cultura, não muda nada; e como cultura entende-se mentalidade de vida. É preciso abandonar o consumismo e passar a ter como centro da sociedade, a vida e a felicidade humana."

- Pepe Mujica para Jornalistas Livres 

Anarquia e Ordem não são inimigas.

[...]Anarquia é um estado de sociedade governada pela razão, pela ordem voluntária e pela educação. Em Anarquia todos os seres humanos tem direito á vida e ao usufruto das riquezas naturais e advindas do trabalho livremente associado. É uma comunidade humana baseada fundamentalmente na liberdade que permite aos indivíduos desenvolver todas as suas potencialidades criadoras, artísticas e o sentido da solidariedade com o "mágico poder" de ligar os homens emocionalmente pelo coração e pelo cérebro.
O anarquista é, portanto, uma pessoa adepta da Anarquia. Um cidadão contrário à desigualdade existente nas sociedades mercantilistas, bélicas, imperialistas, exploradoras que alienam e subjugam as pessoas em prejuízo da felicidade, da vida!
Para os anarquistas a coisa mais importante a preservar e desenvolver é o ser humano; por isso advoga a liberdade integral (física, psíquica, religiosa, política, econômica, etc) como meio de permitir a cada indivíduo a possibilidade de despertar e desenvolver todas as suas capacidades e aptidões, sem temores, cerceamentos e/ou frustrações.

- A doutrina anarquista ao alcance de todos - José Oiticica -