sexta-feira, 29 de julho de 2016

da série "jornal incoerente, programação inconveniente, sociedade decadente"

Acordei.
E até então me parecia um dia normal.
A televisão ligada na sala pra ninguém assistir. Nada anormal, a não ser o fato de que sete horas da manhã, seja absolutamente necessário que você saiba que no Rio de Janeiro há arrastões com muita frequência e que em São Paulo qualquer um pode ser assaltado e morto a qualquer hora e que lá em Minas Gerais policiais foram acusados de matar uma criança.
Quem eles culpam? Os favelados, os pobres de periferia, os pretos. Eu os vi falando que isso tem que acabar, que a polícia tem que ser mais dura e que a justiça brasileira tem que funcionar. Não ouvi comentarem nada sobre a pobreza e a exclusão que geram a criminalidade, não ouvi sobre partidos e empresas que lucram com essa criminalidade, não ouvi sobre os juízes e políticos que criam e mudam leis para benefício próprio e desconhecem o real significado de justiça.
Na tv assim como na vida real, só vi o medo coletivo e a indignação seletiva. Nada de novo porém muito anormal. Acredito eu, que se se mostrasse ideias inovadoras, atitudes solidárias e soluções criativas e humanas para os problemas, as pessoas se sentiriam bem e ao sair para trabalhar ou estudar, estariam incentivadas a dar o melhor de si para si e para os outros.
Mas não, jornal matinal tem que mostrar carnifica mesmo. É preferível que estejamos com medo uns dos outros, nos odiando violentamente do que nos amando loucamente.
Siga sem pensar e tenha um bom dia, Brasil.


sem nome, nem fim ainda


diziam eles
é melhor não ser ninguém
não ter verdade alguma
e estar sempre preparado
para verdade nenhuma
coisa sensata
diziam eles

mas o que me sobra pra ser?
em que devo acreditar?
a quem destino esse desatino
que não é de ninguém?
não sei ser, nem não ser
e me entrego ao total desconhecido

quisera eu ter tantas convicções
e não me afogar em angústias confusões
ora fosse alguém
cheio de certezas
talvez banais fossem elas
talvez débil fosse eu
menor seria meus lamentos?

quinta-feira, 21 de julho de 2016

como já dizia vinicius de moraes: bateu a bad

não dou o mesmo valor às coisas que as pessoas dão.

talvez elas se importem demais
talvez eu me importe de menos
e isso me deixa constantemente aflita
porque mesmo que elas se importem demais
ou que eu me importe de menos
não gosto de ferir ninguém que não mereça
com a minha indiferença ou dureza
das palavras e dos gestos
mesmo que isso ocorra com frequência.
quando me cobram coisas que não posso e não consigo,
eu não faço
mas a maioria das pessoas não entendem
elas não pensam que eu possa estar
tão doloridas quanto elas ao recusar.
elas me acham egoístas.

talvez eu me importe demais
ou elas se importem de menos
a ponto de não perceberem 
que o que elas exigem de mim pesa e dói 
talvez por me importar demais
e elas se importarem de menos
eu não as culpo e
acabo ferindo a mim a mesma 
quando não falo o que deveria, 
quando não ajo como deveria
e depois eu fico cansada, angustiada
e sumo, enquanto o outro fica
e continuamos cada um do seu lado, 
mutilados. 
porque dizer não às vezes é tão difícil? 
porque é mais fácil deixar acontecer
mesmo que isso acabe com minha sanidade?
o que eu queria de verdade era que todas estivessem felizes
mas elas não sabem disso
e esperam demais algo que não irei fazer
eu as acho egoístas. 

não é natural estarmos assim
perdidos. 

eu não entendo porque os meus pensamentos tendem a ser tristes
eu não entendo porque me sinto mais confortável em desgraça
eu não entendo porque sempre espero o pior
eu não entendo o porquê desse choro preso
eu não entendo porque as lágrimas chegam aos meus olhos mas não consigo chorar
eu não entendo porque me recuso a demonstrar
eu não entendo porque gosto tanto desse blues melancólico

eu só queria entender. 

a tristeza já e tão íntima
que até encontro prazer nela
algo como uma amante.
mas às vezes é tanta
que acho que não vou aguentar
normalmente dá pra fugir
mas ocasionalmente ela consegue me alcançar
e  não deixa barato 
até que tudo passa.
e acontece outra vez.

domingo, 17 de julho de 2016

Expansão

Ela olhou pro céu. A mais antiga forma de expandir a mente humana. Talvez seja por isso que nos queiram de cabeça baixa, múltiplas hipóteses foram levantadas, derrubadas ou aceitas meramente olhando-se para o céu. Esse infinito abismo que nos espera. E aquilo lhe entorpeceu. A mais antiga droga alucinógena da humanidade: a curiosidade. Pelo pouco conhecimento que tinha, tentou imaginar o que estava a acontecer no mundo nesse mesmo instante em que olhava pro céu. Imaginação, esse infinito abismo que nos contempla.

Uma menina jogada no lixo na populosa, poderosa e desesperada China.
Uma outra menina ansiosa esperando o telefonema de um carinha da noite anterior.
Um garotinho que mal sabe falar e já o drogaram e já o deram uma arma e já matou muitos outros garotinhos num desses países africanos ensanguentados de guerra civis.
Um outro garotinho que vai cursar direito só para agradar ao pai.
Uma baleia jubarte vindo de águas geladas pra desovar em águas quentinhas nordestinas.
Uma tartaruga sufocada com uma sacola plástica no saturado Pacífico.
Uma crise sócio-política prestes a deixar milhares de pessoas sem emprego.
O religiosos e seu falso moralismo. Os liberais e seu fascismo. Os libertários e seu rebeldismo.
A teoria da relatividade e a da conspiração.
A sua própria super-teoria das super-todas as coisas. 

- De onde viemos? Para onde vamos? Qual sentido da vida? 
Não sei e suponho ser essa minha única certeza: nunca saberei. 7 bilhões de pessoas cercadas de tantos outros seres no mundo e isso não significa absolutamente nada. Como gigantes num universo de super-gigantes ou megabytes num sistema de terabytes. Um mundo cercado de bilhões de estrelas e tantos outros mundos. Uma luz que pisca entre todos os pisca-pisca do natal. 

E é por isso que não aceito a sociedade como ela é. Agem como se fossem os únicos, mas não são. Agem como se houvesse uma verdade absoluta sobre comportamento e regras, mas não há.  Acham, no alto de sua ignorância, que aparência e ambição vestida de conforto são importantes. Milhões e milhões de espaço esperando para serem explorados, milhões e milhões de partículas excitadas para serem descobertas e me querem atrasada, limitada, mesquinha. Sinto decepcioná-los, mas não posso contrariar a essência: diante da incerteza e movimento do infinito abismo, permanecerei sempre de mente e asas abertas, buscando expansão. E mesmo que não possa mudar o todo, posso ajustar a mim mesma, uma parte do todo, para ser o mais próximo de Universo que conseguir, porque o sou e ele me é. Ora caos, ora harmonia e o equilíbrio entre eles.


quinta-feira, 14 de julho de 2016

Paris, 29 de março de 1845

Continuo a ser eu próprio, como antes, inimigo declarado da realidade existente, só que com uma diferença: eu parei de ser um teórico, eu venci, enfim, em mim, a metafísica e a filosofia, e entreguei-se inteiramente, com toda a minha alma, ao mundo prático, ao mundo dos factos reais.

Acredite em mim, amigo, a vida é bela; agora tenho pleno direito de dizer isto porque parei há muito tempo de olhá-la através das construções teóricas e de conhecê-la somente em fantasia, pois experimentei efectivamente muitas das suas amarguras, sofri muito e entreguei-me frequentemente ao desespero.

Eu amo, Paulo, amo apaixonadamente: não sei se posso ser amado como gostaria que fosse, porém não me desespero; sei, pelo menos, que tem muito simpatia por mim; devo e quero merecer o amor daquela a quem amo, amando-a religiosamente, ou seja, activamente; ela está submetida à mais terrível e à mais infame escravidão e devo libertá-la combatendo os seus opressores e incendiando no seu coração o sentimento da sua própria dignidade, suscitando nela o amor e a necessidade da liberdade, os instintos da rebeldia e da independência, fazendo-lhe recordar a sensação da sua força e dos seus direitos.

Amar é querer a liberdade, a completa independência do outro; o primeiro acto do verdadeiro amor é a emancipação completa do objeto que se ama; não se pode amar verdadeiramente a não ser alguém perfeitamente livre, independente, não só de todos os demais, mas também e, sobretudo, daquele de quem é amado e a quem ama.

Esta é a profissão da minha fé política, social e religiosa, aqui está o sentido íntimo, não só dos meus actos e das minhas tendências políticas, mas também, tanto quanto me é possível, da minha existência particular e individual; porque o tempo em que poderiam ser separados estes dois géneros de acção está muito longe da gente; agora o homem quer a liberdade em todas as acepções e em todas as aplicações desta palavra, ou então não a quer de modo algum; querer a dependência daquele a quem se ama é amar uma coisa e não um ser humano, porque o que distingue o ser humano das coisas é a liberdade; e se o amor implicar também a dependência, é o mais perigoso e infame do mundo porque é então uma fonte inesgotável de escravidão e de embrutecimento para toda a humanidade.

Tudo que emancipa os homens, tudo que, ao fazê-los voltar a si mesmos, suscita neles o princípio da sua vida própria, da sua actividade original e realmente independente, tudo o que lhes dá força para serem eles mesmos, é verdade; tudo o resto é falso, liberticida, absurdo. Emancipar o homem, esta é a única influência legítima e bem-feitora.

Abaixo todos os dogmas religiosos e filosóficos – que não são mais que mentiras; a verdade não é uma teoria, mas sim um facto; a vida é a comunidade de homens livres e independentes, é a santa unidade do amor que brota das profundidades misteriosas e infinitas da liberdade individual.


De: Bakunin 
Para: Paulo, meu irmão

quarta-feira, 6 de julho de 2016

JOVEM - Helena Kolody


Suporta o peso do mundo.
E resiste.

Protesta na praça.
Contesta.
Explode em aplausos.

Escreve recados
nos muros do tempo.
E assina.

Compete
no jogo incerto da vida.

Existe.



sexta-feira, 1 de julho de 2016

caretas contemporâneos

"Sério: nada contra se você fuma seu cigarro, sua maconha, cheira seu pó... mas pra que porra acender um incenso?! cheiro horrível, enjoativo!"