segunda-feira, 31 de julho de 2017

46/365 - Jó Rodrigues

"O suicídio não deve ser ligado necessariamente a um "fracasso": continuar vivo pode comportar o maior envilecimento, a negação de todo heroísmo, e o fato de um homem suicidar-se não prova, em absoluto, que "seu projeto de vida era errado" etc. Uma morte pode ser uma consumação, um profundo triunfo, uma plenitude, uma iluminação, um estalo interior, uma irreprimível alegria."

sábado, 29 de julho de 2017

O poeta pede a seu amor que lhe escreva - Federico García Lorca

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.

Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

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El poeta pide a su amor que le escriba

Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con la flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce la sombra ni la evita.
Corazón interior no necesita
la miel helada que la luna vierte.

Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.

Llena pues de palabras mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura.

– Federico García Lorca, em “Poemas esparsos”

A Revolução dos Bichos, George Orwell

"As palavras do Major haviam dado uma perspectiva de vida inteiramente nova aos animais de maior inteligência da granja. Não sabiam quando teria lugar a Revolução prevista pelo Major, nem tinham razões para acreditar que fosse durante a existência deles próprios, mas percebiam claramente o  dever de prepararem-se para ela."





“Não tive escolha, não há como viver nessa época, nesse país e não se envolver.” – Nina Simone



"Como você pode ser um artista e não refletir os tempos?" - Entrevista


quinta-feira, 13 de julho de 2017

O SOLITÁRIO [Manoel de Barros]

Os muros enflorados caminhavam ao lado de um homem solitário
Que olhava fixo para certa música estranha
Que um menino extraía do coração de um sapo.

Naquela manhã dominical eu tinha vontade de sofrer
Mas sob as árvores as crianças eram tão comunicativas
Que me faziam esquecer de tudo
Olhando os barcos sobre as ondas...

No entanto o homem passava ladeado de muros!
E eu não pude descobrir em seu olhar de morto
O mais pequeno sinal de que estivesse esperando alguma dádiva!

Seu corpo fazia uma curva diante das flores.

sem salvação ou surpresa, the end.

Por que as pessoas,
no geral,
custam tanto a entender
algo
que pra mim é quase
auto-explicativo?

De destinações religiosas
à concepções psicológicas
teorias, lamentações, fofocas...

Fala-se muito em suicídio
mas não se fala do que
considero eu
mais importante: compreensão.

Há uma coisa que não entendo:
como querer permanecer leigo
se tudo o que livremente tenho
é a minha compreensão da realidade,
meu conhecimento?

Apreensão dos causos e coisas,
planos e pessoas,
sistemas e sinestesias
conexões e coletividades....

Para quem vive de superficialidades
pessoas rasas de pensamento
e sentimento
não compreendem,
mesmo que tentem,
questões com profundidades.

Há quem não acredite
no paraíso
mas o fogo do inferno
não deixa de queimar...

Há quem não precise
de auxílio
e ainda assim
sente o mal inflamar....

A morte é venerada
A vida, superestimada.

Mas não é sobre esse ciclo
sem fim
o desfecho é acabar com a dor
e enfim...
aqui jaz, em paz.

"Iniciativas Particulares" Ilustre Z

terça-feira, 11 de julho de 2017

escombros #1

tenho que tomar cuidado
com a rua, o perigo,
assaltantes e coisa pior;

mas enquanto caminho,
namoro a lua, não penso nisso
e sigo só.

vou contra o que recomendou
minha mãe, alertou minha amiga
e teme minha vó.

a cidade atola em lama, sangue,
sérios traumas, vários dramas
e desamor.

congestionada e poluída,
empoeirada e fedida,
a indiferença é o pior.

tanto esforço é só um esboço
da escravidão sistêmica,
alienação epidêmica ao meu redor.

a solidão do mundo sólida em mim,
angústia sem nome nem fim,
minha cabeça dá um nó.

mas no entusiasmo do meu choro,
e assim como as estrelas,
é do caos que nasce o meu melhor.

minha bravura eu não grito,
meu riso é esconderijo,
sinto que faço parte de algo maior.

e se não for nada disso,
se a superestrutura pequena for,
ninguém a recorrer, nada posso fazer...
é de dar dó.

mudo e transmudo em silêncio
amadurecimento é merecimento,
mas consciência importa a quem
se tudo vira pó?





segunda-feira, 10 de julho de 2017

Saturação

eu penso
nas atrocidades
que o sistema  nos impõe
e nas fatalidades
que a sociedade legitima
e fico triste.

eu percebo
que não há razões
para se estar viva
e menos razões ainda
para se querer a morte
e fico triste.

eu sinto
uma coisa ardendo
dentro de mim
e não acho ninguém
assim que me caiba
algo assim que me sirva
e fico triste.

e por mais que eu queira
que me importe
que tente, me esforce
isso tudo fica preso
entalado, sufocado
sem se expressar:

não consigo mais chorar.

sábado, 8 de julho de 2017

Variáveis

constantemente
entre a vontade súbita
de te falar o que sinto e
o desejo oculto
de me camuflar ainda mais
para admirá-lo de longe.

sinto que posso te esperar
a vida inteira
como esperei até aqui
alguém assim
feito você.

mas não sei se há veracidade
não sei se você é assim
como imaginei.
o tempo passa,
ao não haver reciprocidade,
vejo que me enganei.

a linha tênue
entre a ineficácia
em tirar conclusões
com dados insuficientes
e perceber que muitas vezes
a imaginação é a mãe da verdade.

o aroma doce da ilusão
guia meu caminho
para ir de encontro ao teu
o gosto amargo da verdade
me prova que segui-lo
foi engano meu 


nós por nós

se não há vagas suficientes e bem longe disso, há todo um estresse de milhões de brasileiros que se inscrevem, estudam e se boicotam para conseguir a porra de uma vaga, a universidade não foi feita pro povo. 

se os muitos com uma posição social e financeira privilegiada passam nos melhores cursos facilmente, em contrapartida aos poucos esforçados que conseguem passar pelas cotas sociais/raciais e sofrem com o preconceito e a falta de políticas de permanência, a universidade não foi feita pro povo.

se, buscando na história, sabemos que a maioria dessas instituições foram fundadas para propagar valores político-ideológicos de uma elite que lucra em desigualdade, a universidade não foi feita pro povo. 

se na sociedade há tanta necessidade de bons profissionais e serviços de qualidade complementando a multidão de diplomados desempregados, a universidade não foi feita pro povo.

se no mesmo bairro, duas realidades completamente diferentes se contrastam: uma das melhores universidades do país rodeada por uma periferia que agoniza em pobreza e ignorância, a universidade não foi feita pro povo. 

se diante do caos político e social, os reitores sequer dialogam satisfatoriamente com seus docentes e discentes, muito menos se posicionam favoravelmente às lutas dessas classes, a universidade não foi feita pro povo.


se nós, conscientes da realidade que nos cerca, sem o apoio das autoridades responsáveis e cientes de que fracasso é o resultado mais provável, não estivermos decididos por nós mesmos a usar nosso conhecimento para agregar algo positivo na comunidade, usando nossos próprios recursos, tempo e disposição, a universidade nunca será para feita pro povo.