terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Crenças

eu acredito que
a felicidade seja algo muito parecido com o cafuné
deitado no peito de quem se gosta
sem nem lembrar do mundo lá fora

estou convicta que
terça-feira é dia de encher a cara se eu quiser
quando as coisas estiverem azucrinando
e a mente precisar de um descanso

eu admito que
te amo mas não tenho paciência
sua ausência me traz sofrimento
esperar diminui o sentimento

suponho que
família nada tem a ver com sangue
é só ter algum zelo e um pouco mais de apreço
sintonia não vem de berço

às vezes considero que
os dias chuvosos são os melhores para refletir
com uma bebida quente que sirva de acalanto
e lembranças que misturam gozo e pranto

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Samuel Rawet

"[...]
O desejo, talvez nem seja aquilo que falta, mas aquilo que está ausente… 
Os olhos já sem lágrimas parecem duas sementes estéreis. 
Nada pode consolar um homem que se aventura pelas veredas da insanidade… 
Muito menos aquele que se embrenha pelas sendas do suicídio… 
Por mais cachaça que se introduza nas artérias, não se consegue dissimular a derrota de estar vivo. 
[...]"

Lágrimas Negras

ovelha negra a ser livre condenada à dor, violenta e violentada pelas mentes condicionadas a impor e espalhar o horror sarro com o meu gênero escárnio com a minha cor com o pigarro do meu cigarro escarro o seu pudor a lágrima escorre e transborda meu copo cheio de convicções vazias cheio de crenças tortuosas meu corpo inunda em melancolia afundado em desprezos infundados com doses amargas de tristeza transformo cada agonia com leveza em minha defesa, extravaso mais que vícios e resquícios não sou náufrago; do outro lado do precipício sou mar, imensidão em solitude me vejo maior me renovo de sal, de sol, sem dó buscando expansão contemplo a raiz tradição de cada canto, poesia, pranto de Carolinas, Ruths e Clementinas me encontro e me encanto à dureza dessa sina por Dandaras, Marielles, Marias Felipas guerreiras que lutaram de peito aberto o horizonte distante a todo instante navega cada vez mais perto por isso mesmo exaustada, nadarei correnteza adentro afogarei que nem maré alta quem abalar meu epicentro



sábado, 25 de fevereiro de 2017

Desencanto - Manuel Bandeira


Eu faço versos como quem chora
De desalento, de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto

Meu verso é sangue, volúpia ardente
Tristeza esparsa, remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca

Eu faço versos como quem morre.
Qualquer forma de amor vale a pena!!
Qualquer forma de amor vale amar!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

tudo que me sobra.

ajo por impulso
com o intuito de amenizar
as dores fortuitas 
que vem me assombrar 

ardência intensa
dentro do meu peito
na cabeça dormência
pesada obrigação à existência 

distrações em abstrações
flutuando em meio a atrocidades 
desejei ser alheia à perversidades
mas não havia veracidade 

consciente da realidade
ser feliz ou desejar a felicidade
é inautêntico, inalcançável e ineficaz 
só mais uma aflição fugaz 

é preciso compreender e transcender 
estar em meio ao caos
e a ele sobreviver 
fugir não vai resolver

não é uma dor dramática
não precisa ser assistida
sem muitas palavras ditas 
apenas algumas angústias escritas

não sou feliz, nunca fui
suponho que nunca serei
mas suporto e recrio com algum zelo
a beleza que nasce do desprezo

é o princípio da minha inspiração
essa tristeza que me toca 
sustenta minha rima, prosa e depravação
sofrer vai ser a minha única obra

Escrever para não enlouquecer

"Não posso esperar mais. Se não receber resposta, essa já será minha resposta."
- Bukowski

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Nosso mundo - Florbela Espanca

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Poisando em ti o meu amor eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos…

Os meus sonhos agora são mais vagos…
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A vida, meu Amor, quer vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?…
O mundo, Amor?… As nossas bocas juntas!…



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

um maço de receios

acendo o cigarro, trago incertezas
as esperanças se queimam
sobram cinzas de tristeza

de mim, tiveste o sentimento mais puro
flor de rara beleza
em ti, germinei amor prematuro
fiz da minha fraqueza, fortaleza

jurei amores e mundos
cumpri previsíveis imprudências
amor ferido em coma profundo 
em meu peito, dolorida ausência

será que não mereço perdão? 
já que essa frieza é de nossa natureza,
seu rancor também não é digno de redenção.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Exótico


(adjetivo)
1. Algo que não é comum, fora dos padrões; esquisito; excêntrico ou extravagante;
2. Algo que vem de fora; que não é originário de um mesmo país;


1. A beleza negra é tida como exótica. Já percebeu como é difícil ver mulheres negras estampando revistas tradicionais? E quando vemos, é tratada como exceção, como se fosse anormal ser preta e ser bonita. Nesse caso, o adjetivo exótica camufla o fenômeno de inferiorização: de um lado a mídia promovendo um padrão de beleza e comportamento europeu que quer nos clarear. De outro lado, as próprias pretas que, bombardeadas por críticas e discursos de ódio a sua cor, não conseguem se amar, se orgulhar de suas raízes e preferem reproduzir o racismo que sofrem.

Por experiência própria, senti muito isso quando resolvi assumir o cabelo natural. Se alguma preta quiser se parecer com uma branca, nas lojas encontra-se de tudo: produtos para acabar com o "frizz", para "modelar" ou "domar" os cachos, "diminuir o volume", para "alisar"... mas se essa mesma preta quiser cuidar da sua forma natural, haja pernada para encontrar produtos capilares adequados aos crespos. E as críticas mais duras que recebi no começo, foram de outras pretas que, alienadas e menosprezadas, se sentiam incomodadas, digo até intimidadas, com o meu black cada vez maior e imponente.

É foda. É um mundo onde somos desmotivados a sermos nós mesmos. Nos impõem regras para parecermos como querem que nós sejamos, nos distanciando de como realmente somos. Nos tornamos pecadores, alvos de ofensas pesadas, se optarmos pela individualidade e naturalidade. É... foda, mas não deveria ser.

2. Hoje, só no Brasil, somos 100 milhões de pessoas declaradas negras. (censo 2013) Sem contar nos outros países. Sem contar aqueles que o são mas tem vergonha de se auto-declarar. Sem contar que você pode não ter nenhum parente próximo de cor preta mas os brasileiros são frutos da miscigenação: índios, brancos e pretos, ou seja, temos o gene do índio americano, do branco europeu e do negro africano no nosso DNA.

Então ser negro não é exótico. Ser negro é comum. Ao andar pelas ruas brasileiras, encontramos gente de tudo que é cor, de tudo que é cultura, de tudo que é país e ainda assim insistimos na discriminação com os negros. O negro é associado ao crime, ao ladrão, ao marginal. Essa é a mentalidade do brasileiro que não percebe que estamos na favela por uma injustiça histórica. Somos a maioria na pobreza porque essa injustiça com a cor preta continua. Sendo assim, admirar e copiar os brancos europeus/americanos, com sua cultura exótica e egocêntrica, é muito mais fácil.

É muito mais fácil seguir cegamente uma cultura vinda de fora, que se auto-declara superior, do que aceitar a cultura negra como ela é: da cor escura, do cabelo crespo e negligenciada socialmente. Eu entendo, é difícil ver o lado bom quando todos estão dizendo que é ruim. É difícil criar autonomia e amor próprio numa sociedade que vende medo e lucra com insegurança. É difícil encontrar a beleza em meio ao desprezo e ao preconceito. É difícil mas não deveria ser.

Pense nos porquês.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

sou o desenrolar

me vejo aqui e lá
me vejo em mim e no outro

o que odeio lá fora
é o que insisto em ser
mesmo sem querer
aqui dentro

o que amo lá fora
é com que me ofusco
e incesantemente busco
aqui dentro

mas não sou
isso ou aquilo
assim decido

sou o que quero
deixar de ser
e o que faço
pra isso acontecer

e o que quero
me tornar
e como ajo
pra chegar lá

sou o desenrolar.




Solitude - Billie Holiday


ressaca

ânimos exaltados e violência
muita violência
desentendimentos
olho roxo, nariz cortado
mão amiga machucada
e ensanguentada

festa da carne e distrações
divertimentos ilícitos
coragem legítima
sensações puras
e ações fluidas
sem arrependimentos

emoções à flor da pele
peso e negatividade
leveza e solubilidade
tristezas disfarças, escondidas
muito bem maquiadas
e agora expostas
sem respostas

amor
dor
dor
amor

encontros desavisados
fraturas inesperadas
sangue e dor e amor.

ela queria isso
e eu também
talvez eu tenha tentado
assim como ela o fez
- não conseguimos -
acidentalmente levitei.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Empatia

Normalmente passo batida, alheia a qualquer ser humano que esteja no meu caminho. Paro pra observar uma folha de coloração diferente ou um inseto de corpo inusitado, mas não me instiga prestar atenção nas pessoas. Isso não acontece quando estou chapada: fico muito mais sensível às coisas ao meu redor. Olhares, discursos, sensações, tudo se mistura e me rende infinitas reflexões por minuto.

Hoje foi no ponto de ônibus: uma mulher, que poderia muito bem não ser tão velha, mas com aparência envelhecida e roupas simples, carregando três sacos muito pesados de sabe-se lá o quê. Muitos homens sentados, nenhum sequer levantou o olhar. Muitas mulheres assistindo e nem se mexiam. Levantei e fui ajudar. Não era minha obrigação fazer isso, como também não era obrigação de nenhuma daquelas pessoas que estavam ali. Foi instantâneo, ela nem percebeu quando me aproximei e já fui colocando um dos sacos no ônibus e eu só percebi a gravidade do que tinha feito quando todos os "distraídos" começaram a me olhar com cara feia. Como se só naquele gesto, eu tivesse dado um soco de realidade neles. Me senti desconfortável ali, a senhora me agradeceu como se eu tivesse salvado a pátria, me senti mais desconfortável ainda por constatar que realmente aquilo que eu fiz era coisa de outro mundo. Empatia é a coisa mais rara do mundo.

Empatia. Ajudei aquela mulher porque sua face enrugada e expressão cansada mostravam uma vivência dura. Ajudei porque sua postura cabisbaixa e toda aquela situação provaram que é pouco apoio pra muita luta. E nesses incontáveis sentimentos por minuto, eu senti raiva do machismo que só é bom quando convém, me irritou a falta de sororidade entre as mulheres, mas colocando isso tudo no mesmo barco: me entristece profundamente a ausência de gentilezas.

Ninguém tem que fazer nada que não queira, mas a vida ficaria muita mais leve se pequenas gentilezas como essa se tornassem hábito. Estamos doentes internamente e isolados em multidões. Se, por exemplo, parássemos de só falar sobre ansiedade, depressão, tristeza, suicídio e passássemos a agir de forma positiva para com as outras pessoas, estaríamos muito mais felizes e sadios. Como um efeito dominó, um apoia o outro que apoia um terceiro e assim por diante. Isso é muito importante a todos nós enquanto sociedade. Evolução benéfica das relações. Solidariedade. Harmonia. Paz.  Você se doar para ajudar o outro, é se ajudar, o sentimento é gratificante. É muito importante a todos nós enquanto indivíduo. O reconhecimento que o outro lhe dará, a felicidade que ele sentirá, você também sentirá. Eu também sinto. É lindo. "Toda felicidade que existe nesse mundo surge de desejar que os ouros sejam felizes."

The Crystal Ship - The Doors

"Antes de você 
cair na inconsciência
eu gostaria
de outra chance 
fugaz de êxtase 
mais um beijo,
outro beijo

Os dias são iluminados
e cheios de dor,
envolva-me 
em sua chuva gentil.
Nós nos encontraremos
de novo

Diga-me 
onde sua liberdade repousa.
As ruas são campos
que nunca morrem. 
Liberte-me 
das razões pelas quais 
você prefere chorar,
eu prefiro voar. "

Não sei dar títulos nem imaginar nomes

às vezes tem conteúdo
às vezes não
às vezes faz sentido
às vezes não
às vezes é bonito
às vezes não

paro e penso
penso e repenso
repenso e é tenso

nunca é suficientemente bom
ainda assim
nem tão ruim

sempre tem
essa insegurança vestida de confiança
que no receio do impulso se lança

falta vínculo
forma e graça
é uma desgraça:

não sei dar títulos.
mas quem se importa com isso?

solitude

adoro um amor inventado
não necessariamente vivenciado
assim platônico,
irônico
e idealizado

um amor icônico
feito julieta e romeu
e o meu exílio
é uma forma de suicídio
do romance que ninguém leu

como se no breu
em meio a neblina
quando atingida por um torpor
me finjo dispersa
para não sentir dor