domingo, 25 de fevereiro de 2018

Na poça da rua
O vira-lata
Lambe a Lua.

[Millôr Fernandes]

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

descontextualizaram tudo e eu não tô entendendo nada...

"Representatividade importa'' onde? Nessa gestão política de merda que não representa ninguém? Ou na mídia reproduzindo que os pretos podem ser um obama ou uma beyoncé da vida, sendo que nunca serão? Sem políticas sociais suficientes, o destino mais coerente é continuarmos em empregos informais ou desvalorizados. Salário mínimo, terceiro mundo, criminalização. Querem levar as pautas negras pra novela, aumentar ibope com meras questões de aparência... nessa ditadura midiática, ninguém é e nem vai ser educado pela televisão, não, é só distração... talvez seja muito mais construtivo produzir, divulgar, apoiar formas independentes de mídia e levar isso pra dentro das periferias... teatro, sarau, rodas, oficinas... só evoluirmos com a valorização da cultura preta, com a propagação da contracultura que bate de frente com todo o racismo, machismo e discriminação que lucra com o nosso sofrimento. Porra, eu fico desacreditada quando vejo muitas pautas consideradas importantes no movimento não me representarem... fico, tipo, será q sou uma preta racista? é foda... priorize as prioridades, cumpadi...

Olho de Lince

Quem fala que sou esquisito, hermético,
É porque não dou sopa, estou sempre elétrico.
Nada que se aproxima, nada me é estranho:
Fulano, sicrano e beltrano;
Seja pedra, seja planta, seja bicho, seja humano...
Quando quero saber o que ocorre a minha volta
Ligo a tomada, abro a janela, escancaro a porta,
Experimento tudo. Nunca me iludo.
Quero crer no que vem por ao beco escuro...
Me iludo passando presente futuro.
Revir na palma da mão o dado
Presente futuro passado.
Tudo sentir de todas as maneiras
É a chave de ouro do meu jogo.
De minha mais alta razão.
Na sequência de diferentes naipes
Quem fala de mim tem paixão.

[Waly Salomão]

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A frescura - Álvaro de Campos

Ah, a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros,
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que’eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora...
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

[Pablo Neruda]

Primeira canção

O mistério de um não-encontro
tem desolados triunfos:
frases não-ditas,
palavras silenciadas,
olhares que não se cruzaram
nem souberam onde repousar -
só as lágrimas se alegram
por poderem livremente correr.
Um roseiral perto de Moscou
- ai meu Deus! - teve tanto a ver com tudo isso...
E a tudo isso chamaremos
de amor imortal.

[Anna Akhmatova]

A poesia nos fala à primeira vista, ou não fala nunca. Um estalo de revelação, um estalo de reação. Como um relâmpago. Como se apaixonar.

[Desonra, de J. M. Coetzee]
nossas diferenças nos segregam, mas não deveriam. não deveriam servir aos interesses de quem lucra com guerra e violência. pelo contrário, nossas particularidades deveriam ampliar nossa perspectiva sobre respeito e equidade, sobre o direito de ser quem é do jeito que for e ter espaço na sociedade a qual faz parte. deveriam ou não deveriam? eis a questão.
"Tá aí uma verdade sobre a liberdade. No horizonte europeu ela ganhou a qualidade liberal do espírito universal e burguês, enquanto nosso povo estava apenas resistindo à morte e à escravização. O sentido de vencer pro nosso povo nunca foi de vencer só, mas de vencer em um todo."

 - gabriel nascimento -

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

“É melhor morrer de Vodka do que morrer de tédio.”

E então, que quereis?
Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.


Garoto
Fui agraciado com o amor sem limites.
Mas, quando garoto,
a gente preocupada trabalhava
e eu escapava
para as margens do rio Rion
e vagava sem fazer nada.
Aborrecia-se minha mãe:
“Garoto danado!”
Meu pai me ameaçava com o cinturão.
Mas eu,
com três rublos falsos,
jogava com os soldados sob os muros.
Sem o peso da camisa,
sem o peso das botas,
de costas ou de barriga no chão,
torrava-me ao sol de Kutaís
até sentir pontadas no coração.
O sol se assombrava:
“Daquele tamaninho
e com um tal coração!
Vai partir-lhe a espinha!
Como, será que cabem
neste tico de gente
o rio,
o coração,
eu
e cem quilômetros de montanhas?”

O que aconteceu
Mais do que é permitido,
mais do que é preciso,
como um delírio de poeta
sobrecarregando o sonho:
a pelota do coração tornou-se enorme,
enorme o amor,
enorme o ódio.
Sob o fardo,
as pernas vão vacilantes.
Tu o sabes,
sou bem fornido,
entretanto me arrasto,
apêndice do coração,
vergando as espáduas gigantes.
Encho-me dum leite de versos
e, sem poder transbordar,
encho-me mais e mais.

[Maiakóvski]



sábado, 3 de fevereiro de 2018

Elementar

Porque é que as pessoas não deixam de querer ser adoráveis
ou de pensar que são adoráveis, ou esperar que sejam adoráveis,
e são um pouco elementares ao invés?

Visto o homem ser composto por elementos
fogo, chuva, e ar, e barro vivo
e nenhum destes ser adorável
mas elementar,
o homem está em desigualdade face aos anjos.

Era bom que os homens se reequilibrassem com os elementos
e fossem um pouco mais apaixonados, incapazes de contar mentiras,
como o fogo.

Era bom que fossem fiéis à sua própria variação, como a água,
que vai através dos estados de vapor, de rio e de gelo
sem perder a cabeça.

Estou farto de pessoas adoráveis,
de certa forma são uma mentira.

[D. H. Lawrence, AMORES PERFEITOS (II)] 

*conversei sobre isso às 20h, às 22h30 me apareceu esse poema, coincidência?*

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

- Meu psicanalista enlouqueceu

Freud diria que sou pura subjeção,
que sofro por incognitude e excessos,
que meus métodos são subversivos,
que minha garganta é pura metáfora,
que sou feita de restos e sonhos inacabados.

Já Ignácio aceita o adverso da palavra,
eu vi como mudou depois da terceira sessão,
deve ter sido o perfume almiscarado,
deve ter sido o suéter vermelho listrado,
aquela história de infância sem começo nem fim,
quem sabe o beijo molhado no canto da boca,
safado, louco, psicanaliticamente delicioso.

Ao contrario de Freud, Ignácio viu o paraíso,
deslisando seus dedos e seus olhos em mim,
eu ficava apenas ali, deitada sobre o divã,
e aqueles grandes olhos verdes vasculhavam,
a minha alma entre as minhas pernas semi vestidas.
Tênis, meinhas, sem pelinhos, shortinho xadrez.

Freud diria que sou contraditória e egoísta,
um vale inteiro de enigmas mal resolvidos,
que é uma questão de vazios a serem preenchidos,
que é um reflexo do leite não amamentado,
que é sobretudo uma questão de sexo e liberdade.

Mas sob um ângulo peculiar e de certa forma preponderante,
depois da décima primeira sessão, posso afirmar meus caros leitores,
que Ignácio é esquizofrênico obsessivo, com certeza,
Freud é japonês erradicado em plutão,
e eu apenas uma mera e alegre distração.

[Elisa Bartlett]

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Tem aqueles que

Tem aqueles que executam a vida de modo eficaz,
põem ordem em si mesmos e ao seu redor.
Têm resposta correta e jeito para tudo.

Adivinham logo quem a quem, quem com quem,
com que objetivo, por onde.

Batem o carimbo nas verdades únicas,
colocam no triturador os fatos desnecessários,
e as pessoas desconhecidas
em fichários de antemão destinados a elas.

Pensam só o quanto vale a pena,
nem um instante mais,
pois detrás desse instante espreita a dúvida.

E quando recebem dispensa da existência,
deixam o posto
pela porta indicada.

Às vezes os invejo
— por sorte isso passa.

[Wislawa Szymborska]