domingo, 14 de janeiro de 2018

Novos Poetas da Região Cacaueira (1982)

parte III

FOTO-GRAFIA
Perdi minha foto
e a grafia das palavras
Busco a imagem
e as ideias...
Fui caçada
tolhida
camuflada...
Ganhei bagana
esmola
e uma maçã.
Ganhei o som
o grito
e uma mordaça...
ou o negativo da foto
e o invisível da grafia
Sou...

LIBERTAR-SE
Como se fosse
alimentar-se
da réstia de sol
do raio pequenino
da lus colorida...
Como se fosse
saciar-se
do pedaço de céu
do sentimento rasgado
de tocar as estrelas...
Como se fosse
libertar-se
das celas invisíveis
das correntes inquebráveis
desse tempo prisioneiro...
...a gaivota bateu asas
varreu o espaço
do seu grito sufocado
alcançou  horizonte
e o seu último voo...

ANGÚSTIA
Minha angústia vem
do meu tédio cotidiano
do mecanismo de escritório
das mesmas luzes
do centro artificial
do meu chão.
Minha angústia vem
dessa limitação que canta
um canto triste
como o sabiá...
vem do que reclama
e clama
vem do que chora
e floresce no sorriso
de amanhã.
Minha angústia
vem de minha hora
não marcada no tempo...

[Genny Xavier - Caitité/Itabuna]

A CAIXA DE FÓSFORO
Com a caixa de fósforo na mão
parou, sem saber ao certo
se queria compor um sambinha
ou acender um cigarro

Fez um esforço de memória
e não conseguiu saber.
Procurando afastar pensamento incômodo,
deu de ombros e prosseguiu seu caminho.

De repente,
parou novamente, angustiado.
Lembrou-se que trazia um pandeiro,
e não tinha cigarros.

FRATERNIDADE
Na mão,
apenas uma flor.
No coração,
o desejo profundo
de estender milhares de mãos
ofertando flores.

HIERARQUIA
No fim da tarde,
esperando ver acenderem-se as estrelas,
sou grato á penumbra
que retarda o quanto pode
a minha contingente obrigação
de acender as lâmpadas.

[Gil Nunesmaia - Ilhéus]